(O Globo, 16/06/2015) Estamos atrás de países como Ruanda, Senegal e Sudão
A jovem democracia brasileira precisa dar saltos significativos para o seu aperfeiçoamento, especialmente no que tange à representatividade feminina no espaço de poder. Uma situação grave é a sub-representação das mulheres no Parlamento, que na média nacional não chega a 10% — uma vergonha se comparada à realidade mundial.
Entre 188 nações, o Brasil ocupa a 158ª posição no ranking da presença de mulheres nos parlamentos do mundo, segundo levantamento deste ano da ONU Mulheres e da União Interparlamentar.
Estamos atrás de países como Ruanda, Senegal e Sudão. Na América Latina, só estamos à frente de Haiti, Belize e São Cristóvão e Nevis. Na vizinha Argentina, a representação feminina no Parlamento alcança 36%; na Bolívia, 53%.
Para mudar essa realidade, diga-se de passagem, inconcebível num país onde as mulheres são responsáveis pelo sustento de 37,3% das famílias e a maioria do eleitorado, a bancada feminina no Congresso, formada por 13 senadoras e 51 deputadas federais, propôs na reforma política a instituição da cota de 30% das vagas das cadeiras no Parlamento para gêneros distintos.
Ou seja, nem homens e nem mulheres podem ocupar mais de 70% das vagas. A vantagem dessa proposta é que ela é adaptável a qualquer sistema eleitoral. Cabe ainda ressaltar que o estabelecimento de cotas de gênero foi adotado em larga escala em diversos países para resolver o problema da sub-representação.
Exemplo bem-sucedido é o da Argentina. Em 2004, a legislação daquele país determinou que, na sequência estabelecida pela lista fechada de cada partido, deve constar pelo menos uma mulher para cada dois homens, sob pena de indeferimento do registro da lista.
A França aprovou a Lei nº 2000-493 (Lei da Paridade), segundo a qual metade dos candidatos constantes das listas partidárias deve ser de um mesmo sexo, com alternância de posições entre homens e mulheres. A alteração promoveu um aumento significativo de mulheres no Parlamento, chegando a 47,5%.
São países que instituíram cotas visando a superar a discriminação histórica a que foram submetidas as mulheres no plano social, econômico e político. O Brasil, como o segundo país no mundo a instituir o voto feminino (1932), precisa avançar na sua legislação a fim de aperfeiçoar o processo democrático (o primeiro foi a Nova Zelândia em 1893). Para se ter ideia, as mulheres argentinas e francesas só conquistaram esse direito na década de 1940.
Somente com uma decisão ousada poderemos recuperar esse pioneirismo brasileiro. Isso porque a atual política de reserva de 30% das vagas dos partidos para candidaturas de mulheres demonstrou-se ineficiente depois de 20 anos de vigência.
Com base nessa lei, os caciques dos partidos utilizam as mulheres apenas para preencher as vagas nas vésperas das eleições, as chamadas candidatas laranjas. Para completar o cinismo, dizem simplesmente: “mulher não vota em mulher” ou “não há interesse e vocação delas pela política”.
Portanto, o momento está dado para cumprir a tarefa de edificar uma sociedade realmente justa, de fato democrática e que reconheça a importância da representação política da metade feminina da população, assim como prenunciou Simone de Beauvoir: “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.
Vanessa Grazziotin é senadora (PCdoB-AM)
Acesse o PDF: Mais mulheres na política, por Vanessa Grazziotin (O Globo, 16/06/2015)