(O Estado de S. Paulo) A política masculinista e elitista latino-americana é lenta e retardatária. Não as mulheres!
A cientista política Sonia E. Alvarez, diretora do Centro de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos da Universidade de Massachusetts (EUA), não tem dúvida de que “Dilma pode”. Em entrevista ao caderno Aliás, do jornal O Estado de S. Paulo, a cubano-americana afirmou que não se deve esperar que, pelo fato de ser mulher, Dilma Rousseff governará de forma diferente. “Ela o fará de acordo com a sua vontade política”, calcula.
Autora de “Engendrando Democracia no Brasil: Movimento Feminista e Transição Política” (Princeton University), Sonia despe os estereótipos do mundo da política, inclusive os mais regressivos, como “Dilma, a mãe do PAC”, “Lula, o filho do Brasil” e “Getúlio, o pai do povo”.
Leia trechos selecionados dessa entrevista:
“Há quem diga que a participação da mulher na política latino-americana tem sido lenta e retardatária. No entanto, nesta década, tivemos presidentes mulheres na Argentina, Chile, Costa Rica, e agora no Brasil. A situação está finalmente se revertendo?
Sonia E. Alvarez – Primeiro, é preciso frisar que a participação das mulheres na política formal pode ser limitada. Em outros espaços, como nos movimentos sociais, nas organizações comunitárias e nos processos mais significativos de transformação política -como o combate às ditaduras, a defesa dos direitos humanos e as transições democráticas-, a presença delas tem tido muito impacto, mesmo que indireto, sobre a política institucional. Segundo, o problema não é falta de interesse, vocação ou experiência das mulheres. Ele é estrutural, histórico, e envolve a política formal que, no mundo inteiro, continua dominada por homens das classes altas e pertencentes aos grupos raciais dominantes.”
“Dá para avaliar o peso simbólico de uma mulher presidente?
Sonia E. Alvarez – O simbolismo da eleição de Dilma serve, antes de mais nada, como exemplo para as cidadãs brasileiras. Uma coisa que Dilma falou em seu discurso é bem verdade: a importância de sua eleição reside na tentativa de desnaturalizar a ausência de mulheres no poder, para que sua eleição deixe de ser uma exceção. Mas, em vez de nos preocuparmos só com as presidentes, é importante pensar nas mulheres que conseguiram se eleger vereadoras, deputadas, senadoras, ou mulheres que estejam na liderança de partidos políticos e sindicatos. É preciso construir uma Nação desde a base, onde tanto mulheres, quanto homens sejam capazes de governar. O fato de só termos 17 mulheres líderes mundiais já diz muito. A agenda não deveria ser como eleger mais mulheres presidentes, mas como mudar a política para que isso não seja mais um feito excepcional.”
“Mulheres no poder são associadas à imagens de ‘mãe da Nação’ ou ‘dama de ferro’. Dilma, por exemplo, foi apresentada como ‘mãe do PAC’.
Sonia E. Alvarez – É comum que mulheres sejam representadas como a ‘grande mãe’. É interessante que Dilma seja a ‘mãe do PAC’, e Lula, ‘o filho do Brasil’, enquanto Getúlio Vargas, era o ‘pai do povo’. São estereótipos da política. Há uma tendência de ver o papel político das mulheres como extensão de suas funções no lar. E que elas levariam para a política características femininas que exercem em casa, como o carinho pelos filhos, a administração de despesas, etc. Assume-se que elas seriam mais gentis na política, mais honestas, cuidadosas e preocupadas com o bem-estar social. Mas acho que se explorou a ‘imagem maternal’ de Dilma como forma de contestar sua fama de durona. Para enfrentar o sexismo intrínseco na política, muitas precisam mesmo fazer cara de duronas, mas pode ser mera performance. E, convenhamos, força não é monopólio masculino. Ao contrário, força e garra é o que todas as mulheres, especialmente negras, pobres, marginalizadas, precisam ter todos os dias para enfrentar a vida.”
“Aproveitando a nossa conversa, que rumos tomará o feminismo neste século 21?
Sonia E. Alvarez – Não existe uma consciência única ou mesmo uma palavra-chave que aponte a demanda mais significativa dos movimentos feministas hoje. O que existe são mulheres lutando por seus direitos – muitas nem se dizem feministas – nos mais diversos espaços da sociedade. Ainda encontramos as plataformas históricas, mas a luta das mulheres não se restringe ao lobby do aborto ou do combate à violência doméstica. E isso muitas vezes não se entende. Sempre nos preocupamos com uma visão de mundo ampla, que diz respeito aos homens também. Um mundo mais humano, mais igualitário, menos racista, com mais justiça social e mais respeito aos direitos humanos.”
Acesse essa entrevista na íntegra: Dilma e os anteparos do poder (O Estado de S. Paulo – 07/11/2010)
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