Uma lei que pegou, por Eleonora Menicucci

11 de agosto, 2015

(O Globo, 11/08/2015) Maria da Penha orienta a ação política do Estado para consolidação de mecanismos e de uma cultura de não aceitação e enfrentamento da violência de gênero

No Brasil, há uma tradição de classificarmos as leis entre as que pegam e as que não pegam. A adjetivação leva em conta o conhecimento e a efetividade destas legislações na cultura nacional.

A Lei 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006 pelo presidente Lula e denominada Lei Maria da Penha, é uma das mais avançadas legislações no mundo de proteção às mulheres. Ela homenageia uma brasileira que teve a coragem e a determinação de transformar o seu sofrimento pessoal em luta para que nenhuma mulher sofra o que ela sofreu: a violência torpe e covarde pelo simples fato de ser mulher.

Uma das principais inovações que a Lei Maria da Penha trouxe foi a compreensão de que a violação de direitos de uma menina ou de uma mulher não é um problema privado, mas algo que deve inconformar um país que não aceita a violência e preza pelos direitos humanos. É também uma efetiva medida para a punição dos agressores, pois a violência existe na medida da sua impunidade.

Esta lei orienta a ação política do Estado nos últimos anos para consolidação de mecanismos e de uma cultura de não aceitação e enfrentamento da violência de gênero. A Lei Maria da Penha transformou o ordenamento jurídico brasileiro e modificou de forma significativa os processos civil e penal em termos de investigação, procedimentos, apuração e solução para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Antes dela, a lei aplicada em casos de violência contra as mulheres era a 9.099/1995, que criou os Juizados Especiais Criminais, onde só se julgam crimes de “menor potencial ofensivo”, com pena máxima de dois anos, e permitia a aplicação de penas pecuniárias, como cestas básicas e multas. A Lei Maria da Penha criou os Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, abrangendo todas as questões, e proibiu a aplicação de penas pecuniárias, porque não há multa nem cestas básicas que reparem uma violência.

A Lei Maria da Penha foi a principal resposta do Estado brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos diante da condenação por negligência e omissão. O caso Maria da Penha tornou-se o primeiro a ser aceito por aquela comissão e nos levou a abertura de discussões para o aprofundamento do processo reformatório do sistema legislativo nacional, a fim de mitigar a tolerância do Estado à violência doméstica contra a mulher no Brasil.

Pesquisa realizada pelo DataSenado e divulgada em março de 2013 revelou que 99% das mulheres brasileiras, de todos os estratos sociais, já ouviram falar na lei. Já um estudo do Ipea sobre a efetividade da Lei Maria da Penha, divulgado em março deste ano, indica que a lei fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídio contra as mulheres dentro das residências. Ou seja, a população conhece a lei e ela está salvando vidas.

O governo federal tem feito a sua parte, ao divulgar por meio de campanhas a legislação e os canais de denúncia. Também ao concretizar uma das determinações, que é a integração dos serviços de atendimento às mulheres vítimas da violência, com a construção e funcionamento das Casas da Mulher Brasileira. A Casa representa um conjunto articulado de ações de União, estados e municípios para a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, trabalho e outras visando à proteção integral e a autonomia das mulheres.

Em seis meses de funcionamento da primeira Casa da Mulher Brasileira, que funciona em Campo Grande, cerca de 3.800 mulheres já receberam 19 mil atendimentos, que as ajudaram a romper o ciclo da violência. A unidade de Brasília também já está em funcionamento e outras cinco estão em construção.

A Central de Atendimento à Mulher — Ligue 180, serviço que recebe denúncias a partir de escuta qualificada e acolhedora às mulheres — já realizou 4,48 milhões de atendimentos.

Esses dados apenas ilustram a ação do governo brasileiro, sob a firme liderança da presidenta Dilma, para cumprir o que estabelece a lei para enfrentar a violência de gênero, suas causas e consequências, a partir da efetivação e fortalecimento de uma rede de serviços.

Publicidade

Romper com a cultura da violência contra as mulheres é romper com a banalização da violência. Fazemos isso por meio de políticas públicas que acolhem as vítimas, previnem as violências, cuidam com respeito e dignidade e contribuem para que as mulheres rompam o ciclo da violência e se libertem para a vida como cidadãs de direitos.

Por isso, a lei pegou e tem salvado mulheres da violência com que tanto conviveram e ainda convivem. Estamos, assim, construindo uma sociedade em que os preconceitos, as discriminações e os crimes de ódio sejam banidos e punidos exemplarmente, dando lugar a relações mais igualitárias, justas, solidárias e fraternas entre todas as pessoas.

Eleonora Menicucci é ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres

Acesse no site de origem: Uma lei que pegou, por Eleonora Menicucci (O Globo, 11/08/2015) 

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas