(Folha de S.Paulo/O Estado de S. Paulo/O Globo) O Brasil se absteve na votação de uma resolução da ONU contra as violações dos direitos humanos no Irã. A resolução foi patrocinada por 42 países liderados pelo Canadá e aprovada por 80 votos a 44, com 57 abstenções.
O documento será adotado pela Assembleia Geral e condena, “entre outros [casos], a tortura, a alta incidência de aplicação de pena de morte, inclusive contra pessoas menores de 18 anos, a violência contra a mulher e a perseguição contra minorias étnicas”.
Ao defender a proposta, o canadense John McNee afirmou que “apedrejamentos, chibatadas, amputações, execuções de adolescentes, execuções por estrangulamento e discriminação contra mulheres e minorias não podem ser ignorados”. Neste ano, o caso da iraniana Sakineh Ashtiani, acusada de adultério e de coautoria no assassinato de seu marido, ganhou repercussão mundial. O governo iraniano acusou a ONU de “politizar a questão do apedrejamento”.
Eduardo Viola, professor titular de Relações Internacionais da UnB, diz que a posição brasileira não surpreende, pois o país não quer desagradar os regimes autoritários para não prejudicar sua candidatura ao Conselho de Segurança da ONU. “Já era esperado em relação à política do governo Lula, mas rompe em relação a posições passadas do Brasil. (…) O argumento do Itamaraty é que a política de condenação não é efetiva. Digo que é pouco efetiva, mas não condenar é pior.”
A abstenção ocorre poucos meses depois de o governo brasileiro oferecer asilo à iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, condenada à morte por apedrejamento em razão de adultério e participação na morte do marido. “A abstenção foi coerente. O que foi dissonante foi o oferecimento de asilo”, disse Viola.
A presidente eleita, Dilma Rousseff, disse no início do mês que o apedrejamento é uma “coisa muito bárbara”, o que, arrisca a reportagem da Folha, poderia sugerir uma inflexão sobre o tema quando ela assumir, em janeiro.
O ministro das Relações Exteriores Celso Amorim afirmou que o governo do Irã deu garantias de que Sakineh Ashtiani não será apedrejada. Defendendo a posição do Brasil, Amorim garantiu que não tomará nenhuma decisão “apenas para agradar ou um meio de comunicação ou algumas ONGs”.
No final de setembro a imprensa divulgou que o governo iraniano teria mudado apenas a forma de aplicação da pena de morte de Sakineh, que seria não mais por apedrejamento, mas por enforcamento.
Jornalista iraniana critica posição brasileira
Iraniana-americana, a jornalista Roxana Saberi foi acusada de espionagem e condenada a oito anos de prisão pelo regime do Irã em 2009. Em razão de forte pressão internacional, teve a pena comutada após cem dias na prisão.
Agora a jornalista está no Brasil para lançar o livro “Entre Dois Mundos” e fazer campanha pela libertação dos cerca de 500 presos políticos iranianos. Em entrevista à Folha, ela questiona o motivo de o governo brasileiro se abster na resolução de um comitê da ONU que condenou violações de direitos humanos no Irã. Leia a íntegra da entrevista em: folha.com.br/ mu833599
Jornalista brasileiro critica posição brasileira
Fernando de Barros e Silva escreve que, “ao justificar a posição brasileira, a embaixadora Maria Luiza Viotti defendeu que os direitos humanos devem ser examinados ‘de uma maneira holística, multilateral, despolitizada e não seletiva’. Maneira ‘holística’? Cabe um ‘voto de protesto’ contra esse jargão eufemístico, a serviço da empulhação diplomática? Diante da iraniana que está prestes a morrer apedrejada, a fala brasileira soa simplesmente cínica”.
E o jornalista continua: “Lula, ao oferecer asilo a Sakineh Ashtani, acredita ter feito a sua parte. Lavou as mãos. Mas o Brasil será cobrado, e com razão, se sua execução se consumar. Por que não tratar o caso Sakineh como um divisor de águas? Ou melhor: por que, sabendo que ele assumiu essa dimensão, emprestar solidariedade aos facínoras? Por que jogar o peso político do país na simpatia acovardada e covarde pelo obscurantismo?”
Leia essa cobertura na íntegra:
Amorim defende abstenção em moção contra Irã (O Estado de S. Paulo – 23/11/2010)
Abstenção pela pedra, por Fernando de Barros e Silva (Folha de S.Paulo – 22/11/2010)
Ex-presa faz campanha por solturas no Irã (Folha de S.Paulo – 21/11/2010)
Abstenção brasileira em votação contra Irã era posição esperada, mas rende críticas (O Globo – 20/10/2010)
Brasil se abstém em votação contra o Irã (Folha de S.Paulo – 20/11/2010)
Brasil cala sobre apedrejamento no Irã (O Estado de S. Paulo – 20/11/2010)
Brasil se abstém de votar em resoluções sobre Irã e Mianmar na ONU (O Globo – 20/11/2010)