(JusBrasil, 14/05/2015) Em 2013, 12 mulheres foram assassinadas diariamente no Brasil (Datasus). Calcula-se que em 2015 esse número possa chegar a 15. Sete de cada 10 óbitos decorre de violência de gênero (o macho se sente proprietário da mulher – do seu corpo -, podendo fazer com ele o que bem entender). No jornal da TV Cultura (assim como nas minhas redes sociais) afirmei que, tendo em vista os números assustadores no País, é um absurdo eliminar a discussão de gênero dos planos nacional, estaduais e municipais de educação. Isso é fruto de ignorância crassa, que é muito disseminada em países educacional e intelectualmente muito atrasados (não podemos esquecer que nossa media de escolaridade é de apenas 7,2 anos, igual à de Zimbábue, que é uma nação muito mais pobre e menos estruturada).
As tradições religiosas bem como a história do pensamento (laico) nos legaram uma confusão tremenda entre constituição biológica do humano, gênero, identidade sexual, identidade de gênero e orientação sexual. Vamos (sinteticamente) tentar contribuir para a discussão pública do tema, marcado por deploráveis preconceitos:
Biologicamente (salvo desvios excepcionais da natureza) nascemos homem (com órgãos reprodutores masculinos, cromossomos e certos níveis hormonais) ou mulher (órgãos reprodutores femininos e demais características orgânicas correspondentes). Mas uma coisa é a biologia (a natureza) e outra distinta é o gênero (ambiente social em que vivemos), que diz respeito à atribuição e à relevância dos papéis e das tarefas que são (ou que devem ser) cumpridos pelos homens e pelas mulheres. Quais tarefas ficam com quem? Cuidar da casa, por exemplo, de quem é essa tarefa? Cuidar do filho, fazer compras, trabalhar fora de casa etc. Outro dado importante: quais tarefas são mais relevantes (as desempenhadas pelos homens ou as desenvolvidas pelas mulheres)?
Alice Bianchini menciona alguns dados para se ter uma ideia do problema: “as mulheres brasileiras recebem salário cerca de 30% menor do que o dos homens, muitas vezes nos mesmos cargos (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2012), enquanto, a OIT afirma que o Brasil, as mulheres deveriam receber 11% a mais que os homens”; enquanto os homens gastam 9 horas com tarefas domésticas por semana, o tempo da mulher nos mesmos afazeres é de 26 horas, o que prejudica o desempenho na escola, no trabalho e, inclusive, acarreta diminuição de tempo para o lazer. Dados da OIT dão conta de que teremos igualdade salarial, porém, somente em 2086. Quanto tempo será necessário para conquistar a equidade de gênero? ONU estima 81 anos (ou seja, em 2096).[1]
A identidade sexual diz respeito à identificação de cada um com uma determinada categoria sexual. O senso comum imagina apenas uma dualidade de sexos (masculino e feminino). Há, no entanto, uma imensidão de categorias sexuais (não é à toa que o Facebook menciona mais de 30). Identidade de gênero: é o gênero (papeis e tarefas) com o qual cada pessoa se identifica. Orientação sexual é a escolha e o relacionamento afetivossexual com outra pessoa (do mesmo sexo ou de sexo diferente ou de ambos os sexos; daí as relações homossexuais, heterossexuais, bissexuais, trissexuais etc.).
Em 11/8/15, o Data Senado divulgou a seguinte pesquisa (feita entre 24/6 7/7/15, com 1.102 mulheres) sobre violência doméstica e familiar contra a mulher[2]: (a) “as brasileiras (100%) sabem da Lei Maria da Penha, mas a violência doméstica e familiar contra elas persiste”; (b)“uma em cada cinco já sofreu algum tipo de violência; dessas mulheres, 26% ainda convivem com o agressor”; (c) “os agressores mais frequentes ainda são os que têm ou já tiveram relações afetivas com a vítima: praticamente metade dessas mulheres (49%) teve como agressor o próprio marido ou companheiro, e 21%; afirmaram terem sido agredidas pelo ex-marido, ex-companheiro ou ex-namorado” [7 em cada 10; sublinhados nossos].
Mais ainda: (d) “Nem todas as agredidas denunciam ou procuram ajuda, mas 97% das entrevistadas defendem que os agressores devem ser processados ou punidos, ainda que sem a concordância da vítima”; (e) “43% das pesquisadas não se consideram respeitadas, contra 35% em 2013. Apenas 5% sentem-se respeitadas, em 2013, eram 10%”; (f) “para 63% das respondentes a violência doméstica e familiar cresceu; 23% afirmaram que continuou igual e para 13% a violência contra a mulher diminuiu”; (g) “as agressões físicas ainda são majoritárias entre os tipos de violências praticadas contra as mulheres, uma vez que 66% das vítimas disseram ter sofrido esse tipo de agressão. A violência psicológica registrou crescimento de 10 pontos percentuais – 48%, agora, contra 38%, em 2013. Em contrapartida, houve redução da violência moral – de 39%, em 2013, para 31%, agora”; (h) “O ciúmes e o consumo de bebidas alcoólicas são os principais desencadeadores das agressões – 21% e 19%, respectivamente”; (i) “Apesar de ainda existir quem, por motivos pessoais, opte por não fazer nada, a maior parte das pesquisadas procurou alguma forma de auxílio: 20% buscaram apoio da família, 17% formalizaram denúncia em delegacia comum e 11% denunciaram em delegacia da mulher”.
Outros dados: (j) “As mais agredidas são as que têm menor nível de instrução – 27% entre as que cursaram até o ensino fundamental; 18% até o ensino médio e 12% com curso superior”; (k) “No universo das que sofreram violência, 26% continuam convivendo com o agressor; 23% sofrem hostilidades semanais e 67% são vítimas de violências raramente”.
O balanço semestral (1º semestre de 2015) da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, por seu turno, revelou o seguinte: “de todos os relatos (mais de 2 milhões), 8,84% foram de violência contra a mulher. Do total de 32.248 relatos de violência contra a mulher, 16.499 foram de violência física (51,16%); 9.971 de violência psicológica (30,92%); 2.300 de violência moral (7,13%); 629 de violência patrimonial (1,95%); 1.308 de violência sexual (4,06%); 1.365 de cárcere privado (4,23%); e 176 de tráfico de pessoas (0,55%). Houve aumento de 145% nos registros de cárcere privado, com a média de oito registros/dia; de 65,39% nos casos de estupro, com média de cinco relatos/dia; e de 69,23% nos de tráfico de pessoas, com média de 1 registro/dia”.
O massacre machista contra as mulheres (com números estarrecedores no Brasil) decorre de muitos fatores. Um deles diz respeito a uma tese libertária feminista, que diz: “O corpo é meu e como dona dele faço o que eu quero”. Isso dá margens a muitos mal-entendidos.
Luiz Flávio Gomes – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
Acesse no site de origem: O machismo como arma de destruição em massa das mulheres, por Luiz Flávio Gomes (JusBrasil, 14/05/2015)