21/11/2010 – Dilma Rousseff não gastará tempo e energia contra a radiodifusão (Folha)

22 de novembro, 2010

(Folha de S.Paulo) Para o jornalista Melchiades Filho, diretor-executivo da Sucursal da Folha de S.Paulo em Brasília, em seu primeiro ano de governo a presidente eleita Dilma Rousseff não gastará tempo e energia contra a radiodifusão.

“Não é certo que a futura presidente atuará mais ostensivamente do que o padrinho contra as grandes empresas de comunicação do país”, escreve o jornalista, que acrescenta: “Mas há mais uma razão para Dilma, a despeito do discurso beligerante do PT, não gastar tempo e energia contra a radiodifusão e a grande imprensa: a ofensiva, silenciosa, já foi feita, sob amparo da tendência de mercado.”

Leia o artigo na íntegra:

Dilma e o baú da felicidade

Lula sempre teve uma relação próxima com a imprensa. É vaidoso, gosta de aparecer e sabe que os jornais o ajudaram a conquistar e garantir espaço político, principalmente na reabertura democrática.

Dilma nada tem de frívola e até a campanha manteve distância dos jornalistas, desconfiada ou mesmo convencida de que só atrapalham, quando não representam “o inimigo”. É seu DNA brizolista.

Não é certo, porém, que, em razão das diferenças de personalidade e trajetória, a futura presidente atuará mais ostensivamente do que o padrinho contra as grandes empresas de comunicação do país.

Lula deu bordoadas sucessivas na imprensa não só para atiçar patrulhas e esvaziar denúncias, mas, sobretudo, para reforçar a imagem de pai dos pobres e vítima das elites. Os vilões de outros momentos (usineiros, banqueiros, coroneis etc.) estavam todos no governo. Sobrou para “a mídia”.

Dilma não tem perfil para replicar a estratégia. O marqueteiro da campanha não a pintou como coitadinha. Destacou “a mulher que decide”.

Outro senão é que Dilma terá de escolher meticulosamente as primeiras batalhas.

A macroeconomia e a aliança com o PMDB já prometem dor de cabeça o suficiente.

Ademais, como todo chefe de governo em início de mandato, ela será pressionada a produzir boas notícias. Por que torpedear justamente quem poderá veiculá-las?

Mas há mais uma razão para Dilma, a despeito do discurso beligerante do PT, não gastar tempo e energia contra a
radiodifusão e a grande imprensa: a ofensiva, silenciosa, já foi feita, sob amparo da tendência de mercado.

Neste ano o governo Lula:
* acionou os fundos de pensão estatais e chancelou o acordo que passará a portugueses a “supertele nacional”;
* decidiu abrir às teles o mercado da TV a cabo;
* lançou um plano nacional da banda larga, nas mãos de uma estatal com R$ 15 bilhões para escolher quem contratar;
* fechou os olhos à entrada dissimulada de capital estrangeiro na imprensa/internet;
* ampliou a publicidade em órgãos menos independentes.

Coordenadas ou não, essas medidas alteram a correlação de forças na iniciativa privada -ampliam a margem de ação de múltis telefônicas e/ou têm potencial para enfraquecer algumas empresas nacionais. As teles investem por ano no Brasil R$ 20 bilhões -oito vezes o patrimônio total do Grupo Silvio Santos.

A aposta no Planalto é que vários empresários brasileiros terão de pedir água e, em troca de barreiras protecionistas, aceitar, senão pedir, mudanças na lei das telecomunicações -ideia que hoje rejeitam. Caberia a Dilma, nesse cenário, arbitrar não apenas a nova conjuntura de mercado, mas também o debate sobre o “papel” da imprensa.


MELCHIADES FILHO é diretor-executivo da Sucursal de Brasília

Acesse em pdf: Dilma e o baú da felicidade, por Melchiades Filho (Folha de S.Paulo – 21/11/2010)

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