(Jornal do Brasil, 25/08/2015) A Ministra Carmen Lúcia disse que a magistratura brasileira é um dos órgãos da sociedade e, como outros, tem uma carga de preconceito grande contra a mulher. Essa afirmação foi feita logo após participar do encerramento de uma campanha de combate à violência contra mulheres. A Vice Presidente do STF que acaba de nos incitar a ter a “ousadia dos canalhas” para “reivindicar, e não apenas reclamar” sabia que estava tocando na falta de objetividade de algumas campanhas coloridas promovidas apenas para como dizia Brizola “costear o alambrado”.
O que tem que ser enfrentado com ousadia é a questão que marca o preconceito contra as mulheres encarceradas que preocupa organismos internacionais, mas não é tratada com seriedade pelas autoridades que administram a justiça penitenciária. Recentemente um homem do governo, responsável pelos presidio recusou a oferta de absorventes destinados às mulheres, que o Estado nega a atender com dignidade.
Leonardo Boff afirma que “Quando o ser humano aprender a respeitar até o menor Ser da criação, seja animal ou vegetal, ninguém precisará ensina-lo a amar seu semelhante. A grande tragédia da vida é o que morre dentro do Homem enquanto ele vive”. Embora as mulheres representem menos de 5% do coletivo de encarcerados, nos últimos anos o aumento de mulheres nas prisões foi de 135% contra 54% de homens. Portanto o sistema penitenciário é notadamente machista e não se preocupa com as necessidades do público feminino.
Além de privadas da liberdade, as mulheres são privadas de outros direitos que não constam nas sentenças condenatórias, tais como a saúde, já que o sistema não as assiste com profissionais especialistas, o abandono familiar, eis que raramente recebem visitas de seus companheiros, equipamentos inadequados, medicamentos, vacinação. Não há um controle de prevenção às doenças nem com a saúde mental.
Esse isolamento tem gerado consequências danosas não apenas para a saúde mental das mulheres como também a de seus familiares, sobretudo os filhos menores. Embora a lei de execução tenha previsão para aplicação da prisão domiciliar para casos em que as mulheres tenham filhos com idade até seis anos ou portadores de necessidades especiais, os tribunais raramente concedem tais benefícios legais. Já ouvi até um magistrado se contrapor afirmando que se as mulheres querem tais benefícios que não cometam crimes.
A Resolução 58/183 da Assembleia Geral da ONU recomendou que se prestasse mais atenção às questões das mulheres encarceradas, mas parece que tal recomendação não foi lida pelos administradores de presídios no Brasil. E mesmo os grupos de mulheres que são ativistas dessa causa não têm atentado para o sofrimento das mulheres que cometem crimes, muitos deles marcados pela sensibilidade, fidelidade e paixão das mulheres, nem sempre correspondidas pelos parceiros.
Que as Marias encarceradas que têm o “dom, uma certa magia e uma força que nos alerta. Uma mulher que merece viver e amar, como outra qualquer do planeta” sejam tratadas com o respeito e a dignidade de quem “possui a estranha mania de ter fé na vida”.
Siro Darlan é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a democracia.
Acesse no site de origem: Mulheres encarceradas, por Siro Darlan (Jornal do Brasil, 25/08/2015)