(El País, 28/08/2015) Na madrugada de terça-feira o motorista de um caminhão perdeu o controle e a carreta tombou no trecho Oeste do Rodoanel, em Barueri, na Grande São Paulo. Seria apenas mais um entre dezenas de acidentes de trânsito que ocorrem diariamente, não fosse a carga que o veículo levava: 110 porcas que estavam a caminho do abate. Os animais ficaram mais de sete horas espremidos até que ativistas e funcionários da concessionária responsável pela via conseguissem desvirar a carreta. Dezenas morreram no local, e vários sofreram graves lesões.
Ativistas ligados a movimentos de direitos dos animais rapidamente se mobilizaram, e criaram um crowdfunding (financiamento coletivo) para arrecadar fundos destinados aos cuidados das porcas sobreviventes, levadas a um santuário, um espaço onde animais feridos são tratados. Em três dias, 247.574 reais (quase o total do valor pretendido) foram arrecadados, algo que surpreendeu os proprietários da plataforma de doações Vakinha. “Foi uma das mais rápidas em velocidade de arrecadação”, explica Fabricio Milesi, um dos fundadores do site. Ele credita o sucesso “à capacidade de mobilização dos grupos de defesa dos animais e também à cobertura do caso pela mídia”. Segundo ele, as ONGs fazem um uso mais contínuo da plataforma, mas muitas causas que recebem boa cobertura da imprensa também “explodem” no Vakinha.
No dia 2 de agosto, Gisele Santos foi brutalmente agredida por seu companheiro em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, ao anunciar o fim do relacionamento. Ele a atacou com um facão, cortando seus pés e mãos. Os médicos conseguiram reimplantar os pés da jovem, mas as duas mãos tiveram que ser amputadas em decorrência dos ferimentos. Uma vaquinha virtual foi feita há dez dias para comprar um par de próteses para ela, que está desempregada. Até esta sexta-feira haviam sido arrecadados 11.000 reais, 42% do total necessário. Desde que uma montagem com os resultados dos dois crowdfundings começou a circular na Internet, no entanto, as doações para Gisele já aumentaram 20%.
“Essa disparidade na atenção aos dois casos se dá pela maneira como as pessoas enxergam as vítimas”, afirma Marisa Sanematsu, diretora de conteúdo da Agência Patrícia Galvão, uma ONG que atua na defesa dos direitos das mulheres. Segundo ela, animais e crianças são vistas como “vítimas inocentes, vulneráveis e desprotegidas que precisam de proteção”, enquanto que no caso da mulher abusada existe uma tendência a que se atribua “algum nível de culpa para a vítima”.
De acordo com Marisa, são frequentes os casos em que a mulher vai dar queixa de uma violência sofrida, e ouve a pergunta “o que você fez para ele te bater?”. “É a revitimização da mulher”, afirma. Ela reconhece, no entanto, que muitos grupos de mulheres “ainda têm uma visão antiga da comunicação, da maneira de usar as redes sociais para mobilização”. “Tradicionalmente grupos ligados ao meio-ambiente sabem usar essas ferramentas de mídia muito bem, e fazer ações que geram grande visibilidade”, diz, admitindo que isso é algo que o movimento de mulheres “ainda não sabe fazer”.
O ativista Douglas Fernandes, 30, da ONG Associação Sempre Pelos Animais, afirma que as redes sociais são “fundamentais” para a mobilização de grupos pró direitos dos animais. De acordo com ele, “estudos apontam que assuntos relacionados a esta causa estão em segundo entre os mais comentados no Facebook”. O militante afirma ainda que as redes, além de “dar amplitude ao assunto”, facilitam o engajamento, “seja mediante o compartilhamento de informações seja com doações e colaborações financeiras”.
Outro fato que, segundo ele, colaborou com a grande mobilização em torno das porcas, foi o fato de a agonia dos animais ter sido transmitida ao vivo: as principais rádios falaram sobre o acidente no Rodoanel em seus boletins de trânsito, e imagens aéreas da carnificina suína apareceram nos noticiários ao longo do dia. Sobre a disparidade entre os valores arrecadados pelas duas vaquinhas virtuais, Fernandes acredita que “muitas pessoas estão perdendo a esperança nos seres humanos, e tem muita gente egoísta que só pensa em si, não contribui para nada, nem com desenvolvimento humano nem com a causa animal”. Segundo ele a falta de divulgação dada para alguns casos também contribui para que não haja muita mobilização em torno deles.
Marisa concorda em parte. “Se por um lado de uns anos para cá a mídia dá cada vez mais espaço para a questão da violência contra a mulher, essa cobertura acaba sendo apenas feita sob o viés policial”, afirma. Ela critica a falta de contexto sobre o fenômeno dos abusos domésticos, e a falta de informações sobre canais de apoio e ajuda para as vítimas. “Os casos são tratados como individuais, quando na verdade trata-se de uma agressão que acontece centenas de vezes todos os dias”, diz.
Gil Alessi
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