A mulher negra incomoda mais que o homem negro

16 de outubro, 2015

(Geledés, 16/10/2015) Uma conversa com a jornalista Cristiane Damacena, vítima de preconceito na web.

A jornalista Cristiane Damacena, 25 anos, ficou famosa no Brasil inteiro em abril de 2015. A notícia não poderia ser pior. Cristiane foi vítima de ataques virtuais de grupos racistas. Aliás, caro leitor, não espere deste texto uma reprodução das imagens ou palavras deste tipo de crime. Não o farei. Minha conversa com a jornalista é sobre nossa profissão, sobre ocupar espaços e, claro, racismo. Cristiane voltou a ser atacada virtualmente depois da repercussão do caso da jornalista da Globo Maria Júlia Coutinho, a Maju. “Eles tentam desqualificar a imagem da mulher negra e, ao mesmo tempo, se promover”, explica.

Foram muitas as comparações. Cristiane se parece mesmo com vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo filme “12 anos de escravidão”, Lupita Nyongo’o. A atriz, de origem queniana, nascida no México e morando a maior parte da vida nos Estados Unidos, foi eleita em 2014, a mulher mais bonita do mundo pela revista People.

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Cristiane Damacena (Foto: Reprodução)

Cristiane, a nossa vencedora, nasceu em Brasília, estudou sempre em escola pública, há dois anos se formou em jornalismo e trabalha no Ministério do Desenvolvimento Agrário. Os pais, um militar do exército e uma auxiliar de serviços gerais, moram há 30 anos no DF. Sempre tiveram atenção pra evitar que as filhas fossem vítimas de preconceito. Mas essa é uma missão difícil no Brasil.

Você foi vítima de preconceito na infância?

Na infância, a minha sensação era que as pessoas não gostavam de mim e eu não sabia o porquê. Depois você cresce e vai entendendo. Não é uma coisa com você. É por causa da sua cor, da sua boca e do seu cabelo. Quando eu chegava em casa, meu pais conversavam e diziam que eu era linda.

Sua família era engajada contra o preconceito racial?

Meu pai frequentava a reunião do MNU – Movimento Negro Unificado – mas desistiu por causa da Ditadura Militar. Pra ele, como militar, estava sendo conflituoso. Eu nunca fui de encabeçar um projeto de militância. Mas já fui colaboradora em saraus e roda de mulheres negras, por exemplo.

Como você recebeu a notícia de preconceito contra a jornalista Maria Júlia Coutinho?

Eu estava no Maranhão, de férias. Mexendo no celular, eu vi que foi praticamente a mesma coisa. As mesmas palavras, as mesmas ações. Não foi uma pessoa, foram muitas. Fiquei procurando uma TV… Fiquei muito chateada porque o meu caso não foi o primeiro e não será o último. Quem será o próximo?

Qual é a motivação destas pessoas?

A jornalista negra, neste lugar de poder e exposição, incomoda. A mulher negra incomoda mais que o homem negro. Admitir o sucesso e a vitória daquela mulher incomoda porque, no fundo, ela representa um grupo.

Você voltou a ser atacada?

Depois do caso da Maju, uma reportagem citou o meu caso e eles se lembraram de mim. Escreveram novamente e ficavam dizendo “espero que meu print apareça no programa da Fátima Bernardes”. Eles querem visibilidade.

Por quê?

São vários grupos. O que eles fazem é desqualificar a imagem da mulher negra e se promover. Eles pegam os prints e se divertem.

Quando te atacaram, você não respondeu. Apenas silenciou. Você já superou?

No início eu estava muito mal. Não conseguia dar entrevista. Estava fragilizada. Já melhorei. Mas tem dia que eu fico mal. Às vezes estou distraída num lugar e começo a pensar no que escreveram, quem são essas pessoas… A investigação demora. Essa sensação de impunidade é o que mais me deixa aflita. Eles não rastrearam as mensagens ainda porque estão esperando uma resposta do Facebook.

Difícil lidar com tudo isto…

Sim. Quando você é criança, você primeiro acha que tem algo errado com você. Depois você descobre que tem algo errado com o mundo.

Luciana Barreto

Acesse no site de origem: A mulher negra incomoda mais que o homem negro (Geledés, 16/10/2015)

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