(Brasil de Fato, 15/10/2015) No I Congresso do MPA, movimentos abordaram realidade da mulher no campo; Atividade reúne cerca de 4 mil pessoas em São Bernardo do Campo (SP).
Chamando a atenção para o papel das mulheres na luta pela soberania alimentar e social, a manhã do terceiro dia do I Congresso Nacional do Movimentos dos Pequenos Agricultores (MPA) foi dedicado à questão de gênero no campo. A violência contra as mulheres, o protagonismo na proteção das sementes crioulas, a luta contra as multinacionais e contra os agrotóxicos permearam o debate “Mulheres, Luta e Poder Popular”, nesta quarta-feira (14).
Representando o MPA, a coordenadora estadual Maria José da Costa concentrou sua fala na necessidade de tornar o feminismo mais presente no cotidiano. Segundo a agricultora, o feminismo precisa ser encarado, sentido e assumido como um modo de vida. Para isso, diz ela, é preciso fazer sacrifícios e construir novas relações entre mulheres e homens, que, por sua vez, também devem se inserir na luta. “Feminismo não é uma coisa apenas da mulher. Por isso, ele precisa ser um modo de vida do campesinato brasileiro”, disse.
O protagonismo da mulher na proteção das sementes crioulas também foi relatado pela militante. “Reconhecer o papel das mulheres no abastecimento e na produção de alimentos é fundamental. Se nós hoje podemos falar na Via Campesina internacional, na Cloc, e entre os nossos aliados e parceiros é que a soberania alimentar é necessária e a construção dela passa pelas mãos das mulheres. As mulheres têm assumido e identificado a guarda e a defesa de uma das maiores simbologias que o campesinato do mundo tem que são as suas sementes”, disse.
Feminismo Popular
Etelvina Mazioli, do setor de Gênero do MST, trouxe ao debate elementos históricos da luta das mulheres, a contextualização do significado do termo feminismo – muitas vezes confundido, equivocadamente, como algo contrário ao machismo -, além de explicar a construção e o papel do feminismo camponês e popular, sempre articulado na luta de classes.
“Na perspectiva do feminismo das trabalhadoras, e portanto um feminismo revolucionário, é que estamos construindo uma reflexão entorno do que ousamos chamar de feminismo camponês e popular. No desafio desta construção de novas relações de gênero e feminista, nós, mulheres da Cloc – Via Campesina temos acumulado processos organizativos e políticos nos movimentos sociais do campo em nível internacional que tem contribuído enormemente numa perspectiva camponesa e popular. Esses processos contribuem para demarcar um posicionamento político na perspectiva de um movimento feminista das trabalhadoras, das camponesas, das indígenas, das afro-descendentes e, portanto, o feminismo articulado na luta de classe e com a classe trabalhadora”, explicou.
Em sua exposição, a militante do MST também chamou a atenção dos milhares de camponeses e camponesas presentes ao modelo destrutivo do agronegócio no meio ambiente, e o protagonismo da mulher ao desafiar o modelo econômico atual e construir formas de viver e produzir que fortalece a soberania alimentar do país e a preservação da biodiversidade.
“Neste processo reconhecemos a existência de muitos feminismos e sua construção histórica. Mas temos a consciência que a igualdade não é possível ser alcançada nos marcos do capital. Lutamos contra as formas de dominação deste modelo. A luta pela emancipação das mulheres tem que estar lado a lado na luta pela reforma popular, contra o agronegócio, contra os transgênicos, contras os agrotóxicos”, frisou.
A camponesa peruana Lurdes Huara, integrante da Federação Nacional de Mulheres Camponesas, Artesanato, Nativo e Assalariados do Peru (FENMUCARINAP), falou sobre a questão da necessidade da erradicação da violência psicológica, social, econômica, política, cultural e física da qual as mulheres do campo estão sujeitas dentro e fora dos movimentos.
Além disso, Lurdes criticou a realidade que muitas mulheres vivem dentro dos movimentos quando muitos homens continuam a negligenciar os espaços e a capacidade das mulheres de se mobilizar. Para ela, muitos ainda continuam a se sensibilizar apenas “quando vamos à luta nas ruas e saímos com nossos filhos em defesa de nossos territórios, nossa água e nossas sementes, mas quando se trata de fazer um diálogo com o governo muitas vezes são os homens que dizem: ‘aqui só os dirigentes podem dialogar’”, disse. “Nós mulheres somos capazes de enfrentar o capital neoliberal. É um luta de homens e mulheres”, completou.
Após as exposições da mesa, foram abertas inscrições para que mais pessoas pudessem contribuir na discussão. Tanto homens quanto mulheres subiram ao palco para reafirmar a necessidade de avançar no feminismo no campo. Entre elas, Isabel, camponesa de Rondônia. “A nossa tarefa é despertar em cada mulher camponesa a força. É preciso, junto com a indignação, saber como vamos nos organizar. Tem coisa mais grandiosa do que parir vidas? A gente precisa juntar esta capacidade de parir vidas com a capacidade de lutar pela vida”, disse.
Simone Freire
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