(Folha de S. Paulo, 30/10/2015) Há tempos não escrevo sobre feminismo e direitos. Assunto antigo que contabiliza progressos (Lei Maria da Penha, feminicídio no Código Penal) e, agora, um susto com o desconhecimento e interpretações “sui generis” e outras simplesmente grosseiras da frase de Simone de Beauvoir “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Frase que é um bom resumo da compreensão do feminismo e da questão de gênero.
O tema da violência contra a mulher, proposto como redação no último Enem, a mídia e as redes sociais, com a enorme repercussão que tiveram, indicam o estrondoso retorno do assunto dos direitos da mulher e a descoberta para milhares de jovens de quem foi Beauvoir.
Leia mais:
Violência contra a mulher, editorial de O Estado do CE (O Estado, 30/10/2015)
Mas e se eu não conseguir fazer um escândalo?, por Marcella Franco (R7/Bonitinha, mas Ordinária, 29/10/2015)
Uma semana das mulheres, por Ivan Martins (Época, 28/10/2015)
Tudo importante, pois a nova geração não se dá conta das anteriores que travaram a luta para elas hoje poderem cursar uma universidade, namorar “sem vela” (como se chamavam as acompanhantes dos namorados), divorciar, frequentar lugares sozinhas e, nas últimas décadas, terem relações sexuais antes do casamento.
Foram as sufragistas, as Simones de Beauvoir, as Glórias Steinem, as Bettys Friedan, as Roses Marie Muraro, as Ruths Cardoso, as Ruths Escobar, as Rosiskas Darcy de Oliveira, o “TV Mulher” dos anos 80 na Globo, e Carmem da Silva, dos anos 60 aos 80, na revista “Claudia”, grandes impulsionadores dessa consciência que mulheres têm direito à igualdade. Como resultado dos movimentos feministas no país, vieram as Delegacias de Defesa da Mulher, a primeira em São Paulo, na gestão Michel Temer, em 1985, e as Secretarias Municipais da Mulher, a primeira em 1997, no Paraná.
Essas lembranças são instigantes, pois mostram que o caminho ainda é longo.
E chegamos ao reverso da medalha: a reação ensandecida dos que acreditam que feminismo é palavra feia e não captam ou não querem entender a dificuldade que foi e é sair da subserviência, desenvolver personalidade e conquistar um lugar ao sol, desde sempre, para a mulher. Aprende-se a ser mulher. E a saber o seu lugar.
Os que impedem discussões nas escolas, que ajudariam as crianças a entenderem que suas mães têm de ser protegidas da violência, assim evitando a reprodução desse comportamento, a falta de Delegacias da Mulher e seu precário funcionamento e as piadas e propagandas machistas dificultam a conquista da igualdade.
Simplificando: quanto mais se caminha nos direitos individuais e na liberdade da mulher, mais os conservadores tentam o retrocesso. A história, entretanto, mostra que não tem volta.
Nem nos seus melhores momentos, Beauvoir imaginaria colocar 5,7 milhões de jovens debatendo a questão da mulher num mesmo dia!
Acesse o PDF: Marta Suplicy escreve sobre violência contra as mulheres (Folha de S. Paulo, 30/10/2015)