(Fórum, 27/11/2015) O número de presidiárias aumentou mais de 500% entre os anos de 2000 a 2015 e o acesso aos serviços é cada vez mais precário
“Eu namorei um cara que vendia cocaína e maconha. Ele pedia para eu guardar em casa. Falava que não ia dar em nada, mas, um dia a polícia chegou. Ele foi morto e eu fui presa por portar muita droga”, confessa a ex-presidiária Suzana*, de 22 anos, que cumpriu pena de dois anos na Penitenciária de Santana, em São Paulo (SP). Segundo Rafael Custódio, coordenador de justiça da Conectas Direitos Humanos, as mulheres, na maioria dos casos, são levadas ao tráfico influenciadas por parceiros. O relatório do Ministério da Justiça deste ano aponta que 63% das mulheres encarceradas respondem por associação ao tráfico de drogas. Custódio analisa que a descriminalização da maconha não diminuirá o número de presas, pois esta droga não é a que mais gera lucro para o mercado.
De acordo com o defensor público Bruno Shimizu, a maioria das mulheres presas por tráfico no Brasil ocupam papéis insignificantes no crime. “Geralmente, elas guardam a droga de outras pessoas e acabam sendo presas”, explica.
Suzana afirma que as outras companheiras da Penitenciária de Santana também compartilham da mesma história.
Apesar da maioria não ter uma relação profunda com o crime, segundo dados do Ministério Público, o número de presidiárias aumentou 567% entre os anos de 2000 e 2015. O aumento do número não é proporcional à qualidade dos serviços básicos. No livro “Presos que menstruam”, da jornalista Nana Queiroz, que visitou mais de dez presídios, há denúncias de presidiárias que usam miolo de pão como absorvente, refeições com fezes de ratos, dentre outros problemas. Na Zona Oeste do Rio de Janeiro, no Complexo Penitenciário de Bangu, uma mulher deu à luz em uma cela com péssimas condições de higiene.
Além dos problemas de gestão nos presídios, a população carcerária feminina sofre com a solidão. Dados da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) do Rio de Janeiro apontam que somente 34 das 2.104 das internas das seis unidades prisionais do estado recebem visita íntima. Suzana* nunca recebeu a visita da mãe e nem quis por conta da revista vexatória, e ainda disse que haviam outras mulheres que nunca recebiam visitas.
O coordenador de justiça da Conectas afirma que a lei deve ser respeitada independente do gênero e que o acesso aos direitos humanos deve ser seguido. As mulheres gestantes e lactantes tem o direito de permanecer por sete meses com a criança e com acesso à creche e berçários nos presídios, porém, em alguns destes, não é fornecida tal estrutura.
Os frutos de uma sociedade patriarcal pesam contra as mulheres. Cerca de 70% das mulheres do mundo sofreu algum tipo de violência decorrente de gênero ao longo da vida, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Mesmo encarceradas, a preocupação com os filhos e a família fazem parte do papel imposto a elas. Quando cumprem a pena, sentem a pressão de um mercado de trabalho injusto que as remuneram com 30% a menos em comparação aos homens que ocupam o mesmo cargo, segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Suzana* está desempregada e realiza alguns trabalhos informais. “Já fiz um bico entregando panfleto no farol, mas o cara descobriu que eu tinha ficha e me dispensou. Não é fácil para nós”, confessa a jovem. Ela sonha em cursar enfermagem e dar orgulho à mãe, mas “É como se eu não tivesse mais valor. As pessoas não me dão estima e pensam que está tudo bem”.
Acesse no site de origem: A dupla pena das mulheres encarceradas, por Felipe Sakamoto (Fórum, 27/11/2015)