(Brasil Post, 08/01/2016) Uma denúncia de estupro em uma festa de révellion em Brasília exemplifica como o conceito de violência sexual pode mudar com a aprovação do projeto de Lei 5069/2013, de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Além de dificultar o atendimento às vítimas de violência sexual, o texto retoma um conceito antigo para estupro.
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De acordo com a deputada Érika Kokay (PT-DF), o PL 5069 exige que conste violência ou grave ameaça para que o ato se torne crime. “Ele reconceitua a violência e tira a caracterização de toda relação não consentida”, explicou ao HuffPost Brasil.
A legislação atual, no §1o do artigo 217, considera estupro de vulnerável fazer sexo “com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.
O novo texto também tira a veracidade da fala da mulher; além do relato, ela precisará comprovar a violência sexual.
No caso que ocorreu em Brasília, uma jovem de 24 anos denunciou nas redes sociais que foi estuprada pelo segurança de uma festa de Ano Novo. Ao Correio Braziliense, ela contou que não tinha condições de consentir o ato, e que só percebeu, com clareza, o que ocorreu no dia seguinte.
“Voltei pra festa num misto de pavor e dormência. Não contei nada pra ninguém. Me questionei se eu não tinha ‘pedido por aquilo’, olha que ridículo! É assim que somos ensinadas. A culpa sempre é atribuída à mulher. O dia amanheceu, fui pra casa com meu amigo, eu não conseguia ainda assimilar os fatos.”
O suposto agressor nega que tenha cometido estupro, e a vítima precisa provar que seu relato é verdadeiro.
A deputada diz que a situação pode piorar para a mulher que foi violentada:
“Se com a legislação atual, ela já tem que provar que o que disse é verdade, imagina se a lei estiver do outro lado. Isso vai naturalizar este tipo de estupro. A fala da mulher não vale nada.”
O PL 5069 estabelece também a necessidade do exame de corpo de delito, o que é visto como mais um inibidor para a denúncia.
No relato, a jovem de 24 anos conta que ficou aproximadamente quatro horas na delegacia, onde teve que “repetir a história várias vezes e reviver aquele momento”, foi encaminhada ao IML e a um hospital.
Ainda no relato, ao contar os detalhes da agressão, ela faz a análise de que quem não tem assistência desiste da denúncia.
Segundo o ginecologista Jefferson Drezett, do hospital Pérola Byington, referência no atendimento de mulheres e crianças vítimas de violência sexual, 90% das vítimas de violência sexual não denunciam o agressor e não procuram ajuda médica.
Ao IG, ele disse que os principais motivos para o índice tão elevado são o medo de morte e da repetição da violência, sensação de vergonha e humilhação e sentimento de culpa.
Para Érika Kokay, a probabilidade da não denúncia aumentará ainda mais com o projeto de Cunha. “Vai calar as mulheres.”
Grasielle Castro
Acesse no site de origem: O que a denúncia de estupro em Brasília tem a ver com o PL do Cunha? (Brasil Post, 08/01/2016)