(O Estado de S. Paulo, 11/02/2016) Estamos em 2016 e as mulheres ainda precisam fazer campanha de conscientização para alertar que beijo forçado no Carnaval não é legal. Para alertar que agressão é crime e que não é porque é Carnaval que tudo está permitido.
Estamos em 2016 e ainda tem (muito) homem dividindo as mulheres entre ‘direitas’ e ‘não direitas’ e achando que só um tipo pode curtir o carnaval. Mais especificamente, 49% dos entrevistados por pesquisa do Instituto DataPopular divulgada durante o feriado.
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A mesma pesquisa aferiu que, para 61% dos homens, uma mulher solteira não pode reclamar de cantada no Carnaval e que, para 70% deles, as mulheres ficam felizes quando ouvem um assobio. Para 59% as mulheres ficam felizes com cantada de rua e 49% acham que ser chamada de gostosa é motivo de alegria.
O DataPopular prometeu divulgar depois a versão feminina da pesquisa. Até lá, fiquemos com os dados do levantamento “Chega de Fiu-Fiu”, realizado pelo Think Olga em 2013. A pesquisa ouviu quase 8 mil mulheres e chegou a uma estatística impressionante: 83% delas não gostam de cantada na rua, 81% já deixaram de fazer alguma coisa por medo do assédio e 90% já trocaram de roupa pelo mesmo motivo.
A discrepância entre as percepções de homens e mulheres diz muita coisa sobre a nossa sociedade: ela é machista e a opinião deles ainda é tida como a mais importante, mesmo que os homens não devessem ter qualquer importância perante as escolhas que uma mulher faz sobre sua própria vida. E mesmo com esses dados em mãos, há quem tente negar, minimizar ou silenciar a experiência das mulheres, que vivem pequenas opressões cotidianamente.
As pesquisas sobre assédio em transporte público, vagão exclusivo para mulheres e a presença delas em espaços públicos também apontam, em geral, para a mesma direção: na nossa sociedade, a violência é relativa. Uma agressão pode não ser violência se a mulher é solteira, se é Carnaval, se está com roupa curta, se está fora do vagão exclusivo. Há sempre um atenuante para justificar a violência praticada contra a mulher.
É verdade que o problema ganha cada vez mais visibilidade e a discussão avança. Mas estamos muito atrasados ao ter que repetir, a essa altura do campeonato, que não pode beijar à força. Que, mesmo que um homem ache normal, uma cantada pode soar muito ofensiva para a mulher e que portanto é a voz dela que deve prevalecer. É lamentável viver em uma sociedade que culpabiliza as mulheres por ocuparem o espaço público, por viverem e se divertirem. Enquanto for assim, o simples ato de estar na rua vai continuar sendo revolucionário.
Acesse o PDF: Mulher na rua ainda é um ato revolucionário, por Nana Soares (O Estado de S. Paulo, 11/02/2016)