Mulheres ainda são minoria nos poderes do Brasil

08 de março, 2016

(Nexo, 08/03/2016) No Dia Internacional da Mulher, há pouco o que comemorar em termos de participação feminina nos poderes da República. Apesar de pautas feministas terem ganho espaço no debate público e inspirado campanhas de sucesso nas redes sociais, ainda que ao longo dos últimos 20 anos tenham sido criadas leis que promovem inclusão e proteção da mulher, nos órgãos e estruturas que regem a vida dos milhões de brasileiros o avanço segue lento e limitado.

Leia mais: No vale-tudo da política, ninguém liga para as mulheres (O Estado de S. Paulo, 17/03/2016)

O legislativo brasileiro tem taxas de participação de mulheres que o inserem na metade pior colocada de um total de 190 países. No Judiciário, apesar do crescimento nos últimos 20 anos no número de magistradas, as instâncias superiores permanecem um ambiente onde predominam os homens. E no Executivo, a despeito da primeira mulher presidente já estar em seu segundo mandato, cargos de chefia nos âmbitos estadual e municipal permanecem esmagadoramente ocupados por homens.

Pior que a Arábia Saudita

O Brasil tem uma proporção menor de mulheres no legislativo federal do que a Arábia Saudita, país onde existe segregação entre os sexos em muitos locais públicos. No início de 2013, em uma canetada, o rei saudita determinou uma cota de 20% de mulheres no Conselho Consultivo do país, o dobro do atual Congresso brasileiro. Esse não é o único país do Oriente Médio a contar com um contingente feminino legislativo maior que o Brasil: também entram na lista Jordânia, Síria, Iraque e Emirados Árabes.

Os números desses países vêm de um relatório publicado anualmente pela União Inter-Parlamentar, órgão global que estabelece relações entre parlamentos mundo afora, em parceria com a ONU. Na contagem de 2015, entre um total de 190 nações, o Brasil aparece na posição 116ª no ranking de representação feminina no Legislativo.

No Brasil, mulheres votam e podem se candidatar há muitas décadas. As primeiras brasileiras a conquistarem o direito ao voto foram as potiguares. Em 1927, como resultado da campanha pelo sufrágio feminino promovida pela Federação brasileira pelo progresso feminino (FBPF), o Rio Grande do Norte removeu o veto ao voto feminino na Constituição Estadual. Não foi suficiente para que as eleitoras pudessem, de fato, influenciar o resultado. O Tribunal Eleitoral estadual acabou anulando todos os votos de mulheres.

Carlota Pereira de Queiroz, a primeira Deputada Federal do Brasil (Foto: Reprodução)

Alguns anos depois, Carlota Pereira de Queiroz se elegeu a primeira deputada federal do Brasil por São Paulo e chegou a participar da Assembleia Nacional Constituinte realizada em 1934 e 35. A primeira senadora veio apenas em 1979: Eunice Michelis, do Amazonas, suplente do deputado João Bosco de Lima, assumiu depois da morte do titular do cargo (vale registrar, entretanto, que a princesa Isabel já havia ocupado uma cadeira no Senado em 1871, direito assegurado pela Constituição do Império a todos os “príncipes da casa imperial”).

Políticas de cotas

Desde os anos 90, o Brasil registra uma participação de cerca de 10% de mulheres em vagas legislativas em todo o país, de acordo com números do TSE, que abarcam câmaras municipais, assembleias legislativas e Congresso. Nas onze eleições de 1994 para cá, o patamar se manteve sempre em torno destes 10%. As variações são mínimas. Enquanto vereadoras e deputadas estaduais chegaram quase nos 13% do total de cadeiras nas eleições de 2014, deputadas federais ficaram em 9%.

Em 1997, entrou em vigor a lei número 9.504, que determinou que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”, uma tentativa de estimular uma maior presença feminina nos cargos políticos. Se por um lado a obrigatoriedade estimulou o aparecimento de mais candidatas ao longo dos anos, o mesmo não aconteceu com o número de eleitas.

Os poderes: Dilma Rousseff, Renan Calheiros e Eduardo Cunha (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Para a socióloga Clara Araújo, do Departamento de Ciências Sociais da UERJ, coautora do livro “Gênero, família e trabalho no Brasil”, dois entraves principais impedem que a lei resulte no aumento de candidatas eleitas. O primeiro é que esse modelo de cotas só funcionaria onde o sistema eleitoral for de lista fechada, ou seja, onde se vota em um partido e na sua relação de candidatos previamente escolhidos. O sistema usado no Brasil é o de lista aberta, que privilegia candidatos individuais. “As cotas não alteram esse padrão porque a competição é muito individualizada”, explica Clara.

Entra em cena então, como agravante, o segundo entrave importante, de acordo com a pesquisadora, que é financeiro. Estatisticamente, as mulheres ganham menos que os homens, de acordo com dados do Imposto de Renda. Mas não só isso: suas campanhas também arrecadam menos, sobretudo em se tratando de doações de empresas, de acordo com dados do TSE. Em média, candidatas a deputada federal receberam menos de um terço das doações recebidas por candidatos homens.

“Quando têm mais de um milhão de reais as chances das mulheres se elegeram mudava consideravelmente, em relação à média, e se torna até mais favorável do que as chances dos homens,” conclui a socióloga da UERJ.

Ela acredita que falta um comprometimento dos partidos em geral com essa questão e estes colocam mulheres “sem capital político para concorrer”. Além disso, muitos dos locais onde os partidos vão buscar candidatos, como associações políticas, sindicatos, nichos eleitorais do interior, são em grande parte ainda dominados por homens.

Que diferença faria?

Mais mulheres no Congresso representaria possibilidades maiores de aprovação de pautas consideradas feministas, como por exemplo, as ligadas a direitos sexuais e reprodutivos? Clara discorda: “Não existe essa agenda automática, pois nem toda mulher tem essa agenda. A descriminalização do aborto, por exemplo, não é apoiada por muitas mulheres”.

Muitos dos locais onde os partidos vão buscar candidatos, associações políticas, sindicatos, nichos eleitorais do interior, são em grande parte ainda dominados por homens

Ela nota, entretanto, que em países onde existe uma participação feminina maior na política é possível encontrar uma sensibilidade mais aguçada para temas relacionados à vida familiar e benefícios sociais. Para ela, mulheres nem sempre representam mulheres, mas ajudam a formar “massa crítica” que faz diferença em determinadas pautas, como por exemplo pensão alimentícia e igualdade salarial.

Conclusão parecida traz a autora Michele L. Swers, no livro “The Difference Women Make” (“A diferença que as mulheres fazem”), onde ela especula os efeitos de um Congresso americano com maior presença feminina. Em entrevista ao Washington Post, Michele cita como exemplo congressistas que atacaram o assédio sexual nas Forças Armadas e desigualdade de pagamentos. Outro estudo americano concluiu que legisladoras nos EUA apresentam mais projetos de lei do que os homens nas áreas de direitos e liberdades civis, educação e saúde.

Um estudo em órgãos legislativos locais na Suécia, país onde a representação feminina parlamentar fica em torno de 43%, mostrou que mulheres se dedicaram em especial a itens como cuidados infantis e cuidados com idosos. Distritos com uma maior representação feminina tendiam a aprovar mais recursos para essas áreas.

Uma presidenta, poucas prefeitas

Em 2014, o Brasil viveu um momento inédito de sua história política: havia duas mulheres na corrida presidencial e, por um período razoável de tempo, eram as duas favoritas para chegarem ao segundo turno do pleito. Marina Silva eventualmente ficou de fora, e Aécio Neves passou, mas não conseguiu derrotar Dilma Rousseff.

Marina Silva e Dilma Rousseff, candidatas à presidência em 2014 (Foto: Paulo Whitaker/Reuters)

A mesma eleição foi mais desfavorável às mulheres quando se trata da disputa para governador. Depois de um pico em 2006 com 11,11% de candidatas eleitas, 2014 registrou apenas 3,7% de mulheres vencendo disputas a esse cargo. Em termos práticos, isso equivaleu à eleição de apenas uma governadora nas 27 unidades da federação: Suely Campos, do Partido Progressista, em Roraima.

Quando olhamos para o âmbito municipal, a situação é de extremo desequilíbrio. As mulheres são atualmente prefeitas de somente 12% das cidades brasileiras. De um total de 5.570 municípios, mulheres ocupam 675 cargos de chefia local. Os dados mostram um ligeiro progresso em relação a anos anteriores.

Esse contingente é também pouco representativo em termos de população governada. Dos 100 maiores municípios do Brasil em número de habitantes, apenas sete têm mulheres no comando executivo. A primeira a aparecer na lista é Darcy Vera, do PSD, prefeita de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, na posição de número 33. Depois, na 44ª posição, surge Rosângela Matheus, prefeita de Campos de Goytacazes, Rio de Janeiro, pelo PR. A única capital de Estado administrada por uma mulher é Boa Vista (RR), que tem Teresa Surita, do PMDB.

Uma pesquisa de 2014 do IBGE contabilizou que as mulheres têm maior participação em cidades com populações menores, ficando entre 12% e 14% para municípios com até 50 mil habitantes. Nas cidades com mais de 500 mil habitantes, a participação feminina nas prefeituras cai para 3%.

Vereadoras

Deputadas Estaduais

Deputadas Federais

Senadoras

Prefeitas

Governadoras

O “teto” da magistratura

Ao rever o noticiário dos últimos vinte anos, aparecem muitas notícias positivas quanto a uma maior participação feminina no poder Judiciário. Em 2000, foi nomeada a primeira mulher para o Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Ellen Gracie. Em 2001, foi a vez do Tribunal Superior do Trabalhou, que assistiu a chegada de Maria Cristina Irigoyen Peduzzi à instância, única mulher entre 18 ministros. Entre 1999 e 2004, a nomeação de quatro mulheres relativizou aos poucos o monopólio masculino no Superior Tribunal de Justiça.

O último Censo Judiciário, publicado em 2014, aponta 35,9% de mulheres na magistratura. Esse número tem tudo para crescer nos próximos anos. Pela primeira vez na história, há mais mulheres egressas dos cursos de direito do que homens, de acordo com dados do Inep. Em 2015, a Organização dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou que o perfil da maioria dos aprovados no seu exame era mulher, branca, de 20 a 25 anos, que fez o ensino médio em escola particular e com renda familiar entre 10 e 30 salários mínimos.

Rosa Weber, a terceira mulher a integrar a Suprema Corte, sucedeu Ellen Gracie em 2011 (Foto: Divulgação/Agência Brasil)

Para a professora Luciana Ramos, do Grupo de Pesquisa em Direito e Gênero da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, há que se proceder com cautela no otimismo que tais dados podem inspirar. Segundo ela, enquanto as instâncias iniciais registram avanços, nos patamares superiores ainda é comum encontrar situações de enorme discrepância. Em termos gerais, homens ocupam 82% dos cargos de ministros de tribunais superiores.

A pesquisadora exemplifica com dados relativos aos desembargadores no Estado de São Paulo: são 23 mulheres contra 334 homens. Em outras palavras, apenas 4%. De acordo com dados dos tribunais estaduais Brasil afora, a situação varia conforme a unidade da federação. No Distrito Federal, são 10 mulheres e 31 homens e no Acre, seis de cada lado. Já em Pernambuco, há uma desembargadora para 51 colegas homens. No total, o Brasil tem 1232 desembargadores e 285 mulheres na mesma função.

Em nomeações para instâncias superiores, segundo a pesquisadora da FGV, valem outros critérios além dos técnicos. “Entram critérios de produtividade e antiguidade, que geralmente são mais facilmente preenchidos por homens que estão há mais tempo na magistratura”, explica. Mesmo as aprovadas têm que lidar com situações de machismo velado, como reuniões que decidem sobre “o que a mulher deve usar, como deve se vestir”.

A atuação das mulheres

Os dados do Censo Judiciário quando considerados em seus diferentes setores trazem resultados bastante distintos. Enquanto na Justiça do Trabalho existe praticamente uma situação de igualdade (53% homens e 47% mulheres), na Justiça Militar Estadual a diferença é enorme: apenas 16,2% das representantes são do sexo feminino.

Para Luciana, mulheres juízas trazem outro olhar para decisões judiciais, em especial uma atenção maior para causas de minorias. Ela cita como exemplo, os avanços nos direitos dos homossexuais, que começaram a aparecer em várias sentenças de primeira instância e acabaram culminando no reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar pelo Supremo Tribunal Federal em 2011. Em 2014, a primeira mulher a presidir o Superior Tribunal Militar, Maria Elizabeth Rocha, reforçou esse olhar como obrigação de todo o setor: “O papel do poder Judiciário é justamente defender minorias que foram historicamente segregadas, como as mulheres, os povos afrodescendentes, os homossexuais.

Produzido por Camilo Rocha, Pesquisa por Daniel Mariani, Desenvolvido por Ariel Tonglet e Ibrahim Cesar

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