(Brasileiros, 11/04/2016) Pesquisa do Hospital de Restauração do Recife será apresentada em abril na Academia Americana de Neurologia com novos achados sobre atuação do zika.
O vírus zika pode estar associado a uma disfunção autoimune que ataca a mielina, substância que envolve células nervosas e facilita a transmissão de impulsos nervosos. A hipótese é resultado de um estudo brasileiro que será apresentado na reunião anual da Academia Americana de Neurologia em Vancouver, Canadá, em abril. Segundo os pesquisadores, a anomalia deflagrada é semelhante à esclerose múltipla.
Uma doença autoimune ocorre quando o sistema imunológico ataca organismos que não causariam mal ao corpo. No caso da esclerose e na ação do zika observada na pesquisa, o sistema entende que partes do próprio cérebro são “estranhas” e começam a atacá-lo. Essa ação deflagra uma série de disfunções que variam de dificuldades motoras a problemas de memória.
“O nosso estudo é pequeno, mas oferece evidências de que o vírus pode ter outros efeitos no cérebro para além do que foi verificado até agora”, diz Maria Lucia Brito Ferreira, chefe do serviço de Neurologia do Hospital de Restauração do Recife, em nota divulgada pela assessoria do evento. “Mas mais pesquisas precisam ser feitas para explorar se é mesmo o zika a causa desses problemas cerebrais.”
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores acompanharam pessoas que vieram para o hospital em Recife entre dezembro 2014 e junho de 2015 com sintomas compatíveis com zika, dengue e chikungunya.
Todas as pessoas vieram para o hospital com febre e erupções cutâneas. Alguns também apresentavam coceira intensa, dores musculares, dores nas articulações e olhos vermelhos. Ao todo, os autores perceberam 151 casos de alterações neurológicas nesse período. Os sintomas começaram imediatamente para algumas pessoas e até 15 dias depois do contágio para outras.
O mais intrigante para os autores, entretanto, foi que seis desses indivíduos desenvolveram sintomas neurológicos consistentes com doenças autoimunes. Eles foram submetidos a exames para verificação e os testes mostraram que todos haviam sido infectados com o vírus zika. Também exames para dengue e chikungunya foram negativos.
Testes mais aprofundados mostraram que a condição foi uma decorrência de uma encefalomielite aguda, um tipo de inflamação do cérebro e da medula. Exames de imagem também mostraram que o zika nesses pacientes danificaram a substância branca do cérebro (parte formada geralmente por fibras, onde se encontram o axônio, espécie de “corpo” dos neurônios).
Quando os pacientes receberam alta do hospital, cinco ainda tiveram problemas de locomoção. Uma pessoa apresentou problemas de visão e outra teve problemas de memória e cognitivos. Diferente da esclerose múltipla, no entanto, a encefalomielite aguda consiste numa única crise, em que a pessoa geralmente se recupera em seis meses.
“Isso não significa que todas as pessoas infectadas com zika vão ter esses problemas cerebrais. Mesmo dentre as pessoas que apresentam problemas no sistema nervoso, a maioria não terá problemas de locomoção”, diz Maria Lucia. “No entanto, nosso estudo fortalece pesquisas que já avisavam sobre os efeitos persistentes do vírus no cérebro.”
Para James Sejvar, do Centro de Controle de Doenças nos Estados Unidos, não há alta incidência da condição no Brasil, mas o estudo mostra que médicos precisam estar preparados para ocorrências desse tipo. “Claro que a questão que ainda permanece é como o zika consegue causar essas doenças inflamatórias do sistema nervoso. Felizmente, muitas pesquisas sobre o tema estão em curso.”
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