(M de Mulher, 01/05/2016) O que muda no mercado de trabalho de mais da metade das brasileiras – as mulheres negras
O tom da voz, a suavidade da maquiagem, o comprimento da saia, a posição certa para cruzar as pernas. Tudo foi checado muito antes de apertarmos o play e começarmos a entrevista. Preocupações que provavelmente não fazem parte da rotina de 92% dos altos executivos do país, mas estão no cotidiano de Rachel Maia, CEO da Pandora no Brasil, e uma das representantes dos outros 8% de poderosos, os do sexo feminino.
Mulher e negra, a executiva desafia as estatísticas. Se já é raro encontrar mulheres nos cargos de liderança das grandes empresas, é praticamente um milagre se deparar com uma que seja negra. Elas representam 52% da população feminina do país, mas são minoria no mercado formal e ainda enfrentam dificuldades para ultrapassar o primeiro obstáculo da vida profissional: a entrada nas empresas. “Quebrar a barreira da inserção não é mais uma grande dificuldade no caso das mulheres no geral, mas no caso das mulheres negras, sim, principalmente em cargos de prestígio”, explica a Secretária de Política Públicas para Mulheres Tatau Godinho.
A imensa maioria das mulheres negras não tem a mesma chance de Rachel, que se formou em Contabilidade e estudou fora do país, mas a formação e o preparo das candidatas não parece ser o único entrave para entrada no mercado de trabalho. Com o resultado das políticas de cotas nas universidades o número de mulheres negras com ensino superior completo aumentou em grandes proporções nos últimos dez anos, enquanto a quantidade de negras nas empresas, especialmente em cargos mais valorizados, ainda é bastante tímida.
Para além dos fatores concretos, relacionados a qualificação, existem fatores mais subjetivos que vão afastando as mulheres negras de muitos cargos. Ana Carolina Querino, gerente de programas da ONU Mulheres, explica que “algumas mulheres negras são bastante qualificadas e poderiam disputar de igual para igual um posto de trabalho, mas muitas vezes, por possuir uma estética afro, são barradas pela questão da ‘boa aparência’, que normalmente está atrás padrões estéticos brancos, como o cabelo liso, por exemplo”.
Até o tom da pele negra parece oferecer desafios. Segundo um estudo feito pelo Instituto Ethos em parceria com o Instituto da Mulher Negra Geledés, nas 200 maiores empresas do Brasil existem 217 mulheres em cargos executivos e, entre elas, apenas seis se consideram negras, todas com tom de pele claro.
Não é o caso de Rachel, que, do alto dos seus 1,83 m de altura, orgulha-se de não estar dentro dos padrões muitas vezes reforçados pelas marcas de luxo. “Eu sempre fui gordinha e nunca fui blasé. Nunca tive a cara do universo do luxo, mas o luxo me chamou e eu mais do que depressa agarrei a oportunidade”.
Ter e aproveitar a chance, no entanto, costuma ser apenas o começo. Uma vez inseridas no mercado de trabalho formal as mulheres negras, especificamente, ainda não alcançam 40% do salário dos homens brancos para exercer a mesma função, e ainda tem o salário 30% menor do que as mulheres brancas.
Quando questionada sobre a diferença salarial, Rachel convocou as mulheres a se posicionar: “A gente tem que fazer com que o nosso papel tenha voz, tenha vez e tenha uma remuneração satisfatória”. Já para as especialistas, as razões que levam a esse gap ultrapassam o querer e o poder das mulheres.
Além da cultura machista e da conjuntura histórica que coloca grande parcela da população negra em condições econômicas bem pouco favoráveis, a questão central do preconceito sofrido pelas mulheres negras é o cruzamento destes dois fatores. A soma entre o machismo e o racismo levam as mulheres negras a serem duplamente questionadas, por um lado por serem mulheres e carregarem muitos dos estereótipos femininos, por outro, por serem negras.
A tendência, de acordo com os números, é que a diversidade aumente e que as mulheres negras conquistem cada vez mais espaço no mercado de trabalho, embora a passos lentos. Mas quem acompanha de perto a conquista dessas mulheres no dia a dia não se permite ser tão otimista. Maria Sylvia, por exemplo, conclui: “Eu gostaria de poder dizer que o futuro é promissor, nós tivemos muitos avanços, muitos mesmo. Mas há muitos retrocessos também, temos muita luta pela frente”.
Giovanna Maradei; Edição: Tatiana Schibuola
Acesse no site de origem: Machismo + racismo: 52% das mulheres brasileiras enfrentam duplo preconceito no mercado de trabalho (M de Mulher, 01/05/2016)