(Revista Época, 12/05/2016) A antropóloga Débora Diniz afirma que a escalação de Michel Temer representa um retrocesso às conquistas das brasileiras
A agenda da antropóloga Débora Diniz está sempre atribulada, com palestras e projetos dentro e fora do Brasil. Além das aulas que ela ministra na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, as pesquisas na Anis (Instituto de Bioética) e a produção de documentários. Em comum, todas as atividades têm como foco os direitos das mulheres. Há mais de uma década, Débora se esforça para entender a área para além das estatísticas oficiais. Ela foi uma das protagonistas na conquista do direito do aborto em casos de bebês anencéfalos, em 2012. Em abril, Débora lançou um documentário sobre mães nordestinas cujos filhos nasceram com microcefalia. Nesta quinta-feira, a antropóloga abriu um espaço em sua agenda para comentar as nomeações do ministério do presidente em exercício, Michel Temer, o primeiro a não incluir mulheres na Esplanada desde o governo Ernesto Geisel (1974-1979). “Olhe para o novo governo: são homens, heterossexuais e brancos. O novo governo silencia a voz da mulher”, diz Débora.
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ÉPOCA – Qual a avaliação da senhora sobre a escalação dos novos ministros, todos homens, no governo Temer?
Débora Diniz – Vivemos, hoje, três retrocessos. Primeiro, deixamos de ter uma representação na Presidência. Segundo, não temos mulheres no primeiro escalão do governo. A última ruptura é deixar de ter um ministério específico e nomeado para cuidar dos direitos femininos, com a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres.
ÉPOCA – O que essa mudança significa?
Débora – A desigualdade brasileira tem três grandes marcadores para exercícios da cidadania: a renda, o gênero e a cor. Olhe para os novos ministros. O que você vê? Homens, heterossexuais e brancos. O novo governo se mostrou insuficiente para acolher e proteger as mulheres. O novo governo silencia a voz da mulher. O presidente interino poderia colocar uma mulher no poder, porque estamos vivendo momentos históricos de lutas femininas. O que o gesto dele significa? Desconsideração. Ele não consegue olhar para o lado e reconhecer competências em mulheres, e as forças que o movem não são suficientes para provocar essa mudança. O que vimos, no processo do impeachment, é uma cena histórica do masculino no poder. Como as mulheres vão atuar na desigualdade? Há um retrocesso.
ÉPOCA – Essas forças a que a senhora se refere são os partidos da base de apoio de Temer?
Débora – Exato. Nenhum partido foi capaz, nas suas cotas, de dizer: nós precisamos ter mulheres. Nnem as pastas tradicionalmente ocupadas por mulheres, como o desenvolvimento social. A ruptura de uma secretaria é anterior a quem a ocupa. Explico. Primeiro, o governo teria que mostrar que a agenda das mulheres é importante. Como? Mantendo e nomeando a pasta. A existência garante agendamento. Depois, elegendo mulheres para o primeiro escalão. É como os negros. Você não tem um negro entre os novos ministros. Nós precisamos de identificação na política, e ela não aconteceu.
ÉPOCA – Mas ter mulheres no primeiro escalão não é garantia de mudanças, certo?
Débora – Correto. Não é porque ela é mulher que vai atuar numa perspectiva igualitária. São dois momentos. A inclusão de uma mulher no regime de poder representa rupturas de igualdade de gênero, altera registros públicos de reconhecimento. Nós tivemos uma ministra da Casa Civil, uma ministra da Economia. É a representação simbólica de como o poder pode ser ocupado. Mas essa não é uma incompetência atual. Nos últimos anos, não fomos capazes de falar sobre aborto, violência contra as mulheres, questões raciais, a igualdade no ambiente de trabalho e etc.
ÉPOCA – Quais são as perspectivas?
Débora – O que me preocupa é que a participação das mulheres – assim como de outros grupos – é um chamado das ruas. Então, a gente pode entender que as ruas não são ouvidas pelo novo governo. Que essas vozes não agregam valor. Também vejo desconsideração com os movimentos sociais. Há uma não escuta do que é importante para o povo. Nem os ajustes profissionais – dentro de ministérios subalternos – foram feitos. O cenário é perverso com as mulheres. As cotas (de mulheres em cargos políticos no Legislativo) não foram suficientes, e agora os ministérios foram silenciados. A escuta torna-se muito mais difícil. Podemos entender também a nova bancada de ministros como uma negação total ao poder anterior, de uma mulher. Não se trata, apenas, de um descuido de competência. É um descuido misógino. É o primeiro sinal de alerta.