(Carta Capital 13/05/2016) Após breve reconhecimento da luta por direitos, há o risco de uma volta ao passado; mesmo no fim do regime militar houve mulheres no primeiro escalão
O agora presidente interino, Michel Temer, anunciou na tarde desta quinta-feira 12 o grupo de 24 pessoas que formará o primeiro escalão da República. Um dado salta aos olhos: é um conjunto de homens brancos que representa os interesses de setores econômicos e políticos bem definidos do País. Nenhuma representatividade para mulheres, negros, indígenas ou movimentos sociais. Mesmo no fim do regime militar houve mulheres no ministério.
Para Clara Araújo, socióloga do departamento de Ciências Sociais e Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Desigualdade Contemporâneas e Relações de Gênero (Nuderg) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), um governo e a representação política como um todo deveria refletir a diversidade social e os interesses democráticos do país. Portanto, a inexistência de mulheres – que são maioria da população e do eleitorado – ou outros segmentos da sociedade representados no governo anula qualquer chance de diversidade.
Além disso, a pesquisadora pondera que neste governo interino a distribuição de cargos em troca de apoio para o impeachment foi ainda maior do que se vê normalmente. No entanto, ela questiona se não havia, nos quadros desses partidos que agora compõem o governo, mulheres para assumir algumas das pastas. “É um enorme retrocesso, pois depois de algumas décadas de espaço volta-se a estaca zero. É muito difícil conceber que num conjunto amplo de partidos não exista uma mulher para assumir um ministério”, ressalta.
Para Clara, mais grave ainda do que a nula representatividade é o risco do Brasil retroceder ainda mais diante da agenda conservadora que poderá ser imposta pelo conjunto de valores tradicionais que o governo interino representa. “Há um grau de conservadorismo muito grande, com concepções familistas e paternalistas sobre quais são os papéis das mulheres na sociedade”, conclui.
Militante do movimento feminista desde a década de 70 e coordenadora da Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh), Shuma Schumaher vê a composição do ministério de Temer como uma forma do patriarcado assumir o poder de vez. “Até o ministério do Figueiredo tinha mulheres. Estamos de volta a era dos militares”, criticou. Para ela, porém, o novo governo é coerente e está mostrando o respeito que têm pelas mulheres. “Estamos indignadas, mas não surpreendidas”, lamenta.
Sobre a perda de status das pastas ligadas às questões sociais – a Secretaria das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos deve passar a fazer parte do Ministério da Justiça – Shuma afirma tratar-se também de um grande retrocesso. Para ela, nos governos petistas de Lula e Dilma, houve um breve reconhecimento dos muitos anos de luta pelos direitos das mulheres. O risco, agora, é uma volta ao passado. “Não é apenas um golpe contra a presidenta, é também um golpe contra as mulheres, os negros, as negras, os indígenas e os movimentos sociais”.
Clara Araújo afirma que só é possível avançar quando há vontade política. na sua opinião, mesmo Dilma Rousseff, que tinha como meta compor seus ministério com pelo menos 30% de mulheres viu-se com bem menos por conta da pressão das indicações dos partidos aliados. “Na medida em que esse elemento [representatividade das mulheres] é completamente desconsiderado revela-se a lógica dos partidos.”
Temer chegou a cogitar mulheres para sua equipe e teria convidado a ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie para assumir a Controladoria-Geral da União (CGU), mas ela teria recusado. Foi aventado também os nomes das deputadas Mara Gabrilli (PSDB) e Renata Abreu (PTN), mas as negociações parecem não ter prosperado. Além disso, elas estariam sendo cogitadas para pastas que deixaram de existir, como a dos Direitos Humanos.
Desde a ditadura
Mulheres chegaram ao ministério no governo do general João Figueiredo (1979-85), ainda no regime militar, quando Esther de Figueiredo Ferraz assumiu a então pasta de Educação e Cultura entre 1982 e 1985.
Quando assumiu seu primeiro mandato, em 2011, Dilma Rousseff entregou dez postos do alto escalão do governo a mulheres. A senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) assumiu a Casa Civil; Miriam Belchior foi para o Planejamento; Graça Foster tornou-se presidente da Petrobras; Ideli Salvatti passou pela Pesca, Relações Institucionais e Direitos Humanos; Helena Chagas na Secretaria de Comunicação; Tereza Campello em Desenvolvimento Social; Izabella Teixeira em Meio Ambiente; Luiza Bairros na Secretaria da Igualdade Racial; Marta Suplicy, hoje no PMDB, mas ex-PT, foi ministra da Cultura; e Maria do Rosário foi ministra dos Direitos Humanos. No segundo mandato, porém, o número foi reduzido para seis assumiram o cargo em 2015.
Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) teve 11 ministras, duas delas interinas. No governo Lula mulheres estiveram em cargos centrais, como Dilma, que foi ministra da Casa Civil.
No primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) entregou apenas o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo para uma mulher, Dorothéa Werneck. No segundo mandato (1999-2002) foram três ministras: Anadyr de Mendonça Rodrigues, na Controladoria-Geral da União,Cláudia Maria Costin, na Secretaria de Estado de Administração e do Patrimônio, e Wanda Engel Aduan, na Secretaria de Estado de Assistência Social.
Antes, no governo Itamar Franco (1992-1994), a única mulher a assumir de fato uma pasta foi Luiza Erundina, na Secretaria de Administração Federal, por cinco meses. Já Fernando Collor (1990-1992) escolheu duas mulheres: o então Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento foi comandado por Zélia Cardoso de Mello e o Ministério da Ação Social teve Margarida Maia Procópio.
Nos cinco anos de governo de José Sarney (1985-1990), apenas Dorothéa Werneck atuou como interina no Ministério do Trabalho.
Dimalice Nunes
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