(Revista Fórum, 19/05/2016) Campanhas equivocadas visam dar um caráter biológico/patológico ao que é um crime de ódio fomentado por setores da sociedade
A data de 17 de maio é quando, mundialmente, se protesta contra a homofobia (crimes de ódio cometido contra as LGBT). Tal dia não foi escolhido à toa, trata-se de quando a homossexualidade deixou de ser considerada uma doença na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1990.
Desde que os crimes contra LGBT ganharam visibilidade na imprensa (alternativa e tradicional) também pipocaram campanhas contra a homofobia e, muitas delas, sempre a partir do discurso patológico. Mais ou menos assim: boa parte das pessoas que cometem atos de ódio contra LGBT são pessoas com a sua sexualidade não resolvida e, para extravasar tal sentimento, espancam o outro que vivencia a sua sexualidade livremente.
Este argumento biológico/patológico é pra lá de problemático. Pois, se o sentimento de repulsa por LGBT é algo da área de doenças, logo as pessoas com sentimentos odiosos por sujeitos que vivenciam sexualidades não-normativas podem ser “curadas” de sua “fobia” por vivências dissidentes. Além do caráter biológico/essencialista de tal tese, ela retira os crimes de ódio da esfera social. A homofobia não é passível de cura, pois ela é construída diariamente por setores conservadores da sociedade brasileira e fora dela.
As campanhas que carregam o mote “homofobia tem cura” cometem outro erro: se balizar a partir de um conceito medicinal e psiquiátrico para localizar o crime de ódio. Ora, isto é contraditório, visto que a primeira fase de lutas do movimento LGBT é justamente contra os dispositivos medicinais que patologizavam (e ainda o fazem) as experiências LGBT. Portanto, se utilizar da mesma ferramenta para combater o inimigo é equivocado e extremamente conservador, no sentido de manter o status quo do discurso medicinal e de controle sobre os corpos.
Não custa lembrar que, historicamente, isto é, desde o século XVIII, a narrativa das sexualidades não-heteronormativas tem sido construída pelo discurso medicinal/ psiquiátrico tendo como aliado setores religiosos, o Estado e os aparatos militares.
A homofobia não tem cura e sua erradicação só será possível com a desconstrução das estruturas de nossa sociedade que tem as suas bases na exploração de classe, no machismo, no racismo e na xenofobia. Só a partir da construção de políticas públicas que visem atacar o problema na raiz é que poderemos vislumbrar uma sociedade que conviva com as diferenças.
Acesse no site de origem: A homofobia não tem cura, por Marcelo Hailer (Revista Fórum, 19/05/2016)