(O Estado de S. Paulo, 28/05/2016) Para a maioria, a zika é uma doença inofensiva. Somente as mulheres grávidas correm riscos de complicações sérias. Seus filhos podem nascer com microcefalia. Por esse motivo, a questão mais importante é a seguinte: se, durante a gravidez, uma mulher for infectada pelo vírus da zika, qual a probabilidade de seu filho nascer com microcefalia? Até agora, só tínhamos uma resposta para essa pergunta: 0,95%. Se esse número for correto, 99,05% das mulheres grávidas infectadas pelo zika terão filhos normais. Esse número foi obtido estudando uma população de 270 mil pessoas que moram na Polinésia Francesa, onde se estima que 66% das pessoas foram infectadas pelo zika. Por lá foram detectados oito casos de microcefalia.
Mas será que esse número vale para o Brasil? Por aqui, até o dia 24, já foram confirmados 1.434 casos de crianças com microcefalia e outras alterações do sistema nervoso. É essa pergunta que um grupo de cientistas americanos tentou responder.
Em teoria, esse é um número fácil de obter. Basta acompanhar 1 mil mulheres grávidas infectadas pelo zika e 1 mil mulheres não infectadas. Após nove meses se verifica quantos casos de microcefalia aconteceram no segundo grupo, se subtrai esse valor do número de ocorrências no primeiro grupo e se calcula a porcentagem.
Fácil falar, difícil fazer. Primeiro, não é simples saber se uma mulher foi infectada pelo zika. A maioria das pessoas não apresenta sintomas. Já há testes para saber se uma pessoa foi infectada, mas é caro e não está disponível no sistema público. E mesmo que se aplique o teste agora, se ele for positivo isso não mostra que a mulher teve zika durante a gravidez. É possível que ela tenha contraído a doença antes ou depois e é quase impossível determinar em qual fase da gravidez. Também existe a dificuldade do diagnóstico da microcefalia, que tem muitas causas além do zika. Ou seja, medir o risco de uma mãe infectada durante a gravidez ter um filho com microcefalia exige a montagem de um estudo detalhado e caro. Vamos ter de esperar.
Mas então como os cientistas fizeram a estimativa atual? O raciocínio é simples. Você pega a população de um Estado (no caso, a Bahia). Assume que uma fração dessa população foi infectada durante o período de estudo (estimaram que entre 10% e 80% da população foi infectada pelo zika). Sabendo a porcentagem da população de mulheres que engravidam a cada mês, calculam quantas mulheres engravidaram no período. Assumindo que a fração das grávidas que contraíram zika é igual à fração da população que foi infectada (entre 10% e 80%), calculam o número de mulheres infectadas.
Aí usam o número de casos reportados de microcefalia no período (entre julho de 2015 e fevereiro de 2016), assumem que parte desse número pode ser de casos não confirmados (entre 0% e 50%) e dividem pelo número de mulheres grávidas infectadas pelo zika. Pronto, você obtém uma estimativa da fração das grávidas infectadas que tiveram filhos com microcefalia. Desse número você subtrai a estimativa dos casos de microcefalia que existiam antes do aparecimento do zika (no Brasil, esse número é desconhecido, mas deve estar entre 2 e 12 casos por 100 mil nascimentos). Essa conta resulta em um número entre 1% e 13%. Em outras palavras, entre 87% e 99% das mulheres infectadas darão à luz crianças normais.
É fácil perceber que os números usados nessa conta são intervalos e, portanto, o resultado também é um intervalo (1% a 13%). Ou seja, o risco deve ser maior que 1%, mas menor que 13%. O interessante é que o limite inferior do intervalo coincide com os dados da Polinésia.
Dado o pânico que se instalou no Brasil, essa é uma boa notícia. Caso uma mulher grávida for picada por um Aedes, ela corre o risco de pegar zika. Esse risco ainda é desconhecido, mas depende da incidência do vírus na população de mosquitos em cada região do Brasil. Se ela pegar zika, existe uma chance entre 1% e 13% de ter um filho com microcefalia. O número é alto, e a doença é séria, mas o risco está longe dos 100% ou mesmo 25% de chances que se imaginava no início da epidemia.
Fernando Reinach
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