(O Tempo, 06/06/2016) Injeção de hormônio feminino controla a produção de esperma e testosterona
Os recentes casos de violência sexual envolvendo estupros ou pedofilia trazem à tona discussões sobre o endurecimento das penas aos condenados por crimes sexuais, e uma das opções que ganhou fôlego em meio à sociedade é a “castração química” – método que reduz temporariamente a libido do homem, diminuindo a probabilidade de ter ereções. Especialistas em saúde e direito, no entanto, condenam a medida.
Diferente da castração cirúrgica masculina, quando os testículos são removidos, na castração química, uma injeção mensal de um hormônio feminino – que atua sobre neurotransmissores cerebrais que controlam a produção de esperma e testosterona – pode ser usada, ou o consumo diário de uma pílula que inibe o desejo sexual. O tratamento também pode incluir sessões de terapia.
Ambos os casos não funcionam como uma medida de esterilização (como a vasectomia), porém, estudos mostram que a redução do desejo sexual pode perdurar até 15 anos e provocar efeitos colaterais graves, como diabetes, feminização e atrofia da genitália.
“A castração química precisa de muito cuidado médico com relação às funções hepáticas, ou teremos, em alguns anos, um esquema semelhante à cirrose alcoólica, além de diminuição de capacidade cognitiva, aumento de ansiedade e depressão nesses homens”, aponta o professor do Instituto Paulista de Sexualidade, Oswaldo Rodrigues.
O especialista não acredita que essa seja a melhor solução para os casos de abuso sexual. “Para muitos homens, cuja motivação é a violência, por exemplo, isso não deixaria de existir pela inexistência de um hormônio. Os medicamentos usados não inibem esses impulsos, somente se o condenado for dopado com acréscimo de outros medicamentos”, explica.
Rodrigues também faz uma comparação com os casos de castração animal. “Acreditamos que animais castrados são mais dóceis, mas nem todos são assim. Alguns fazem sexo, mesmo que não tenham espermatozoides”, afirma.
Mesmo nos países que adotaram a punição, a medida vem sendo questionada por não ser totalmente eficaz, pois o resultado depende da psique do paciente e pode ser revertido com ingestão de Viagra.
Mudanças devem ser mais profundas, dizem advogados
O presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), Elias Mattar Assad, considera a castração química inconstitucional. “De acordo com nossa Constituição Federal, esse tipo de pena é cruel, configura um tratamento desumano ou degradante que se equipara à tortura e interfere na integridade física e moral do apenado”, afirma.
Toda essa avaliação está, segundo Assad, amparada por diferentes artigos que estão “blindados” por cláusulas pétreas na Constituição, ou seja, não admitem modificação por lei nem por emenda da própria Constituição.
Na visão do advogado e também professor de direito penal da PUC-MG e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leonardo Marinho, a pena não elimina nem nunca eliminou o crime. “O que vai resolver é trabalhar uma formação mais humanista e de respeito à mulher, desde a formação básica com a criança, e não com o adolescente ou o universitário. O Estado não tem o direito de tocar e/ou modificar o corpo”, afirma.
A presidente da ONG Artemis, defensora dos direitos das mulheres, Raquel Marques, concorda e diz que é preciso mudar a mentalidade e garantir que os estupros sejam punidos conforme as leis atuais. “Um homem ser impedido quimicamente de usar seu pênis não significa que ele não faria estupro. Na prática, os estupradores ainda não são denunciados, os inquéritos não são encaminhados e, quando processado, o homem não é condenado”, diz.
Litza Mattos
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