(Época, 10/06/2016) Vítima de abuso na infância, Nana Queiroz luta pelo fim da cultura de violência sexual contra a mulher
*Após o perfil abaixo ser publicado na edição da revista ÉPOCA de 6 de junho, Nana Queiroz foi atacada por usuários machistas e obscurantistas do Facebook. Eles conseguiram tirar o perfil dela temporariamente do ar. Aqui, ela escreve uma carta aberta a Sheryl Sandberg, principal executiva da empresa.
Há dois anos, a jornalista Nana Queiroz, hoje com 30 anos, tirou a blusa na frente do Congresso Nacional. Era um protesto contra a violência contra a mulher. Dias antes, uma pesquisa divulgara que grande parte dos entrevistados acreditava que as mulheres que mostram o corpo merecem ser atacadas. A indignação veio junto com a criação da campanha virtual Eu Não Mereço Ser Estuprada, que explodiu no Facebook. “As redes sociais deram mais voz às mulheres criando um ambiente seguro. Antes, elas tinham medo de falar e sofrer agressões físicas. Agora, as pessoas se sentem encorajadas. Os incômodos que sentiam com assédio e violência, que eram só delas, são compartilhados. Elas se sentem fortalecidas para falar”, afirma Nana, que atualmente mora em Washington, nos Estados Unidos.
A iniciativa fez mais do que representar as mulheres. Ajudou a própria criadora a superar uma experiência difícil. “O projeto não mudou só a minha vida, mas também quem eu sou. Eu fui vítima de abuso sexual na infância, e só muito mais tarde tive coragem de contar a meus pais. Depois da campanha, essa dor e revolta que eu sentia se transformaram em algo produtivo. Foi a primeira vez em minha vida que senti que poderia transformar essa dor em mudança, e provocar outras pessoas a mudar também”, diz Nana.
Diretora executiva da revista AzMina, Nana escreveu o livro Presos que menstruam, que vai virar série. É a primeira obra de uma trilogia sobre mulheres. Nana sempre traz o feminismo para um debate. Não passa um único dia sem receber mensagens de alguém pedindo ajuda ou solicitando que ela escreva sobre determinado assunto. Ela diz que é preciso ter um peito de ferro para administrar tanta notícia ruim.”Naturalmente, não consigo atender a todos esses pedidos, o que me dá uma frustração tremenda. É duro ler tanta coisa negativa. Tem dias que isso me derruba, fico destruída, meio zumbi. Então, ligo numa série babaca, vejo episódio atrás de episódio.”
O caso da menina estuprada por um grupo no Rio de Janeiro levou Nana a se posicionar de novo. “O estupro no Brasil acontece dentro de casa, entre familiares ou por alguém que a vítima conhece. A gente não pode cair no engano de que apenas punindo esses caras vai resolver o problema”, diz. Para ela, a violência sexual não é só produto de crueldade individual. Há também uma cultura que legitima os abusos. “O estupro acontece na menina desacordada na balada da faculdade, pelo primo que se vale da prima mais nova porque tem curiosidade do sexo, pelo marido que abusa da esposa porque ela não está a fim de transar naquele dia. A sociedade naturalizou tanto esse tipo de violência que a considera normal e culpa a vítima.” Nana aprova a consciência emergente em torno dessas questões, mas quer mais. “Conseguimos apontar os problemas. Está na hora de levar as soluções.”
Lika Rodrol
Acesse no site de origem: Nana Queiroz e a coragem de enfrentar a cultura do estupro no Brasil (Época, 10/06/2016)