(Extra, 26/06/2016) “Por muito tempo, só conseguia tomar banho para limpar aquela sujeira imaginária. Tive dificuldades num relacionamento. Duvidei da minha inteligência”. Após ser estuprada quando fazia uma trilha, aos 20 anos, P. largou a faculdade, desenvolveu depressão e tentou o suicídio. As consequências não são as mesmas
— Toda mulher que passa por abuso vive um trauma. Ninguém opta pelo estupro — diz a coordenadora do programa SOS Mulher em Niterói, Leila Guidoreni.
Vítimas de estupro relatam fobias, declínio na carreira e na vida social, insônia, flashes do ocorrido. Segundo relatório do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), 23% das vítimas desenvolvem estresse pós-traumático (distúrbio grave de ansiedade) e 0,7% se suicidam. Especialistas acreditam que a realidade seja mais dramática do que apontam os dados.
— O próprio estupro não é muito denunciado. Além disso, há um déficit na formação de profissionais de saúde, que podem não pensar no abuso como gerador de um estresse pós-traumático. Não é feita essa classificação, e atribuem (o suicídio) a qualquer outra razão. Há um processo de desqualificação — explica a psicóloga Anna Paula Uziel, professora da Uerj.
Como o EXTRA vem mostrando numa série de reportagens, as vítimas enfrentam dificuldades de denunciar o crime em delegacias, de ver os responsáveis punidos pela Justiça e até de fazer o aborto legal nas unidades de saúde, embora seja um direito. O debate veio à tona após o estupro coletivo de X., de 16 anos, numa favela da Zona Oeste no mês passado. Como ela, mais de 70% das vítimas, segundo o relatório do Ipea, são crianças e adolescentes, e 24% dos agressores são pais ou padrastos, o que afeta a formação da autoestima.
— Não é que as consequências (em menores) sejam mais graves, mas são mais profundas. Em geral, sofrem violência de pessoas em que confiam, de forma recorrente. Isso atrapalha o desenvolvimento para a vida toda — diz Cecília Soares, psicóloga especializada em atendimento à mulher em situação de violência.
Hoje, aos 48 anos, P. reconstruiu sua vida. E percebeu isso só após uma vitória na vida acadêmica anos depois. Segundo especialistas, para isso, o acompanhamento psicológico, o quanto antes, é essencial.
A Secretaria estadual de Saúde informou que oferece apoio às vítimas durante um ano no programa SOS Mulher na rede, cujo hospital de referência é o Heloneida Studart, em São João de Meriti, com uma equipe multidisciplinar.
Segundo o Ministério da Saúde, o SUS oferece acompanhamento imediato e permanente às vítimas de estupro. No Rio, são 13 Centros de Atenção Psicossocial para o público adulto e sete para pacientes infanto-juvenis, administrados pela prefeitura, para onde as vítimas são encaminhadas.
Ana Clara Veloso e Elisa Clavery
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