(BBC Brasil, 01/07/2016) Nada mais de modelos absurdamente magras ou homens excessivamente musculosos exibindo seu abdômen definido.
O veto no sistema de transporte público de Londres a anúncios que trazem pessoas “perfeitas” – e muitas vezes fazem quem as vê sentir vergonha de si mesmo – entra em vigor nesta sexta-feira.
Toda propaganda que usar “imagens não-saudáveis” do corpo humano será removida, medida colocada em prática pelo recém-eleito prefeito da cidade, Sadiq Khan.
Ele havia prometido em sua campanha eleitoral combater toda publicidade que pode fazer com que cidadãos se sintam pressionados a buscar um corpo pouco representativo da maioria da sociedade.
Estas imagens recorrentes na indústria publicitária “têm grandes chances de criar problemas de autoestima, especialmente entre os mais jovens”, disse Khan em um comunicado.
“Como pais de duas adolescentes, fico extremamente preocupado com esse tipo de propaganda, que pode aviltar as pessoas, especialmente mulheres, fazendo com que sintam vergonha de seus corpos. Está na hora de dar um fim a isso.”
‘Corpo pronto para a praia?’
O combate a estes anúncio, conhecidos pela expressão em inglês “body-shaming ads”, veio após uma polêmica em torno de um anúncio de produtos para perder peso veiculado no metrô londrino no ano passado.
A empresa Protein World promoveu sua linha de suplementos alimentares usando uma modelo bronzeada que usava um biquini amarelo, exibindo um corpo trabalhado e uma cintura incrivelmente fina, junto com a frase: “Seu corpo está pronto para a praia?”.
O anúncio gerou muitas críticas e mais de 400 reclamações foram feitas à Autoridade de Padrões Publicitários do Reino Unido, dizendo se tratar de uma propaganda “ofensiva” e “irresponsável”. Uma petição para que fosse removida reuniu mais de 71 mil assinaturas em questão de dias.
“A Protein World está mirando diretamente em certos indíviduos, fazendo com que se sintam inferiores fisicamente. A questão que gostaria de colocar a quem aprovou o anúncio: o que é um ‘corpo pronto para a praia’? E quem não se enquadra nisso?”, diz a autora da petição Charlotte Baring no site Change.org.
Essa raiva transbordou para as ruas, com um protesto realizado no Hyde Park em que manifestantes seminus defendiam que “todos os tipos de corpos são aceitos”.
O órgão fiscalizador da indústria disse ser pouco provável que o anúncio gerasse “ofensas graves ou amplas” – ao mesmo tempo em que, numa reviravolta irônica, houve um grande salto de vendas dos produtos da Protein World.
“Isso não é feminismo, é extremismo”, disse a empresa por meio de sua conta na rede social Twitter.
Capital do mundo
A controvérsia levou o prefeito Khan a aprovar o veto, menos de dois meses depois de assumir o cargo.
Seu impacto econômico pode ser significativo: com 1,34 bilhão de viagens realizadas por ano no metrô e mais 2,4 bilhões nos ônibus, a rede de anúncios do sistema de transportes londrino é considerada uma das mais lucrativas do mundo.
Segundo a Prefeitura, cerca de 12 mil anúncios são veiculados em espaços públicos do sistema anualmente – de pôsteres em vagões a cartazes em pontos de ônibus, um negócio que deve movimentar mais de 1,5 bilhão de libras (R$ 4,2 bilhões) nos próximos oito anos e meio.
E esse dinheiro é investido na infraestrutura do sistema, então, ter um comitê para avaliar e vetar anúncios que podem ter impacto negativo, dizendo “não” às marcas e companhias que podem trazer centenas de milhares de libras, é visto como uma medida ousada – e polêmica.
Londres é a primeira capital do mundo a aplicar esse veto tão amplo, apesar não ser a primeira cidade: uma medida parecida foi testada em Trondheim, a terceira maior cidade da Noruega. E, em São Paulo, a lei Cidade Limpa proíbe a exibição de propaganda em espaços públicos desde 2006, com algumas poucas exceções.
Ainda assim, o número de anúncios com que se deparam os londrinos durante um dia é bem maior do que o na cidade norueguesa – assim como os efeitos prejudiciais à forma como se percebe o próprio corpo podem atingir uma população muito maior, dizem os defensores da medida.
Vários estudos mostram que exibir corpos magros – principalmente femininos – em fotografias idealizadas pode ter um grande impacto na autoimagem corporal e levar ao desenvolvimento de distúrbios alimentares e outros tipos de dismorfia.
O veto foi bem recebido pelo setor de saúde. “Mesmo reconhecendo que a publicidade não causa distúrbios alimentares – eles são muito mais complexos do que isso -, estamos cientes de que essas imagens podem ser muito tóxicas para certas pessoas”, diz Mary George, porta-voz da B-eat, principal fundação voltada para esse tipo de distúrbio no Reino Unido, à BBC.
“Com tantos anúncios promovendo um corpo magro como o único a ser almejado, isso só contribui para o efeito prejudicial que podem ter naqueles suscetíveis a distúrbios alimentares”, diz a organização, que faz campanha para que a mídia represente uma “grande variedade de formas e tamanhos”.
Paternalismo
Mas o veto gerou espanto entre cidadãos que acusam Khan de estar indo além dos limites e sendo paternalista.
“Sou feminista e defensora de uma imagem corporal positiva – no entanto, não dou a mínima para esse tipo de reação feminista”, escreveu a consultora de marketing Georgina Denny no site Campaing.
“Por que deveríamos ter vergonha de nos exercitar para ter um belo corpo? Admito que o maior incentivo para me arrastar até a academia após um dia longo é a vaidade. Quero ficar bonita. Por que isso deveria ser embaraçoso ou antifeminista?”
As críticas vieram não só da indústria publicitária, mas também da mídia e de outros setores da sociedade que consideram que a medida ultrapassa a função deste tipo de política e até mesmo ameaça a liberdade de expressão. “Desculpa, Sadiq Khan, mas não acho que seja uma vitória para as mulheres”, escreveu a colunista Fionola Meredith.
“Pelo contrário, na verdade. Não sou fã desse tipo de anúncio. São nojentos, baratos e definitivamente buscam mexer com as inseguranças femininas… Mas, aqueles entre nós com um mínimo de bom senso, e com isso quero dizer a maioria das mulheres, são resilientes, espertas ou ocupadas demais para ficarem devastadas emocionalmente com um pôster.”
Alguns foram além ao classificar o veto como uma “tentativa de islamificação” de Londres, sugerindo que o prefeito de Londres está adotando esta política por causa de sua religião.
Agora, a questão para muitos é como avaliar se um anúncio tem este efeito – quem será capaz de antecipar se uma propaganda assim pode ser prejudicial? Quando o corpo exposto é tão irreal e perigoso a ponto de promover valores não-saudáveis?
Em alguns casos, pode ser óbvio, mas isso não é tão fácil de definir na maioria dos casos. O veto pode gerar preconceitos ou noções pré-concebidas, dizem seus críticos.
A resposta da Prefeitura é simples: os passageiros do metrô e de ônibus não podem desligar um anúncio ou virar a página quando uma propaganda nestes locais os incomoda, então, “temos o dever” de cuidar de todos os cidadãos que usam o sistema público de transporte de Londres.
Valéria Perasso
Acesse no site de origem: O inédito veto no transporte público de Londres a publicidade com corpos ‘inatingíveis’ (BBC Brasil, 01/07/2016)