(O Estado de S. Paulo, 08/07/2016) O coordenador do programa executivo em Aperfeiçoamento em Gestão de Esportes da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, Pedro Trengrouse, acredita que o Brasil embarcou demais na agenda do Comitê Olímpico Internacional (COI) e acabou não desenvolvendo suas próprias prioridades. O Estado conversou com o professor sobre a responsabilidade brasileira e os impactos da imagem do País no exterior.
A Olimpíada será realizada em um momento cheio de protestos, brigas no governo e crise econômica. Como isso pode afetar a percepção dos brasileiros em relação ao evento? E dos estrangeiros que vêm ao Brasil?
Os Jogos Olímpicos colocam o Brasil em evidência no mundo todo. É pena que o momento seja tão crítico, e a imagem que o mundo inteiro vê é de uma grave crise econômica, política e institucional, sem falar da violência e de questões de saúde pública como a poluição da Baía de Guanabara e do Zika. Sem dúvida isso tudo afeta a percepção dos brasileiros e do mundo, não só em relação ao evento, mas em relação a tudo mais.
A candidatura da Olimpíada foi vinculada a uma série de projetos para modernizar o Rio, como na mobilidade urbana, e vendia o Brasil como um país que estava dando certo. Agora que a situação não é tão favorável, o que você acredita que vai acontecer? Vai ficar sem um plano mesmo?
Há uma grande confusão causada pelo excesso de euforia gerado pelas promessas relativas aos Jogos Olímpicos. Não acho certo misturar mobilidade urbana com Jogos Olímpicos. O COI investiu alguma coisa nisso? A linha 4 do metrô ja deveria ter sido feita há muito tempo, com ou sem Olimpíadas. Não dá pra chamar de legado olímpico coisas que fazemos com nosso próprio dinheiro e já eram necessárias com ou sem os Jogos.
O TCU determinou que um novo plano de legado seja apresentado até o início do evento. Mas, estamos a um mês dele. Se sair um plano, será bem feito ou a probabilidade é que seja feito “nas coxas”?
Não acredito que a essa altura do campeonato um novo plano seja solução para isso. O legado que deveria ter ficado dos Jogos seria o desenvolvimento das modalidades olímpicas no país, e isso não foi feito. Clubes como Fluminense e Flamengo, que formaram a maioria dos atletas brasileiros na história dos Jogos Olímpicos, deveriam ter recebido investimentos para revitalizar seus parques desportivos e até mesmo sediar competições, em vez de construirmos equipamentos, que tendem a se transformar em elefantes brancos, simplesmente porque não se pensou na vocação natural de quem já desenvolve o esporte olímpico brasileiro.
Uma das grandes frustações da Copa foi justamente essa falta de legado. Qual foi o erro do governo na época e de agora?
A Copa do Mundo passou pelo Brasil deixando o futebol brasileiro pra trás. Como esperar que os estádios sejam bem utilizados se os clubes brasileiros estão cada dia mais fragilizados? O Brasil perdeu uma grande chance de mudar todo esse sistema arcaico, sem transparência nem democracia que administra o futebol no país. Essa deveria ter sido a agenda do Brasil na Copa, exigindo da FIFA contrapartidas concretas para desenvolver o futebol brasileiro. Além disso, o governo errou muito quando deu para as empreiteiras a administração dos estádios. No Rio de Janeiro, por exemplo, Fluminense, Flamengo e CBF montaram um consórcio para fazer as obras necessárias no Maracanã e ficar com a gestão compartilhada por 30 anos. O projeto era de R$ 600 milhões e não envolvia dinheiro público. O governo preferiu pagar três vezes mais para a Odebrecht. Chegaram ao cúmulo de colocar uma cláusula no edital impedindo clubes de apresentar proposta.
É possível dizer que o governo mentiu? Que vendeu uma imagem e uma promessa que não tinha condições de cumprir?
Sem dúvida o governo prometeu muito e entregou pouco, mas qual é a novidade? A despoluição da Baia de Guanabara está prometida desde a ECO-92, e fala-se no metrô até a Barra há 20 anos.
Como todos esses problemas podem afetar a realização de grandes eventos no País no futuro?
Esses eventos vieram pra cá porque o Brasil aceitou pagar a conta. Os Jogos Olímpicos se resumem às competições, e as instalações já estão prontas. Acho que tudo vai transcorrer sem maiores incidentes. No período que antecedeu a Copa, a imprensa internacional também estava muito crítica. Foi só a bola rolar que começaram a dizer que toda Copa deveria ser no Brasil de tão boa que estava. Eventos esportivos como esses são na verdade grandes festas, que não têm a menor condição de mudar coisa nenhuma no país. Isso tudo é propaganda, e o COI vai dizer que os Jogos de 2016 foram os melhores da história porque precisam vender esse peixe para o próximo freguês.
Luciana Amaral,
O Estado de S.Paulo
Acesse o site de origem: ‘Brasil aceitou pagar a conta dos Jogos’, critica executivo da FGV – Esportes (O Estado de S. Paulo, 08/07/2016)