(UOL, 14/07/2016) Uma foto do ator norte-americano Neil Patrick Harris ao lado do marido, David Burtka, e dos filhos gêmeos, Gideon e Harper, viralizou no Brasil e incentivou famílias com dois pais ou duas mães a mostrar, nas redes sociais, o poder do amor.
A imagem foi publicada pela página “Lésbicalizei” no Facebook com a legenda: “Olhem a cara de aterrorizadas dessas crianças por terem dois pais”. O tom irônico fez a publicação viralizar, já que as crianças se mostravam felizes e tranquilas na foto, e ainda revelou milhares de famílias homoafetivas que levam suas vidas com respeito e carinho.
Nos comentários, elas postaram fotos de momentos ao lado dos filhos com legendas irônicas, mostrando “a cara de aterrorizadas das crianças”, sempre alegres com a família. Surgiu até a hashtag #OlhaACaraDeAterrorizado.
O BOL conversou com três casais que participaram da ação no Facebook e revelaram que o afeto é parte essencial do processo familiar em que vivem. O exemplo de respeito ao próximo faz-se presente em cada dia da rotina de cada um deles.
Há cinco anos, o professor Francisco Lacerda, 38, e o administrador João Andrade, 44, casados há dez anos, começaram a maturar a ideia de adoção. Há um ano e meio, iniciaram o processo legal para serem pais de Isaac, oito anos, e João Henrique, cinco anos, que já estão ao lado dos dois há cinco meses.
Segundo Francisco, ele e o companheiro se revezam para sempre acompanhar as crianças. “Os dois estão em um processo de adaptação e estudam em uma pequena escola de Recife, em Pernambuco, que os recebeu muito solícita e aberta a tratar as particularidades de cada aluno”, conta.
Para ele, a sociedade ainda encara o formato familiar com dois pais de uma forma diferente. “Há sempre alguns olhares curiosos, mas é uma atitude normal”, avalia. No mais, Francisco e João revelam que a criação dos dois tem trazido muita felicidade e prazer.
“É muito gratificante ajudar os meninos a desenvolverem seus potenciais – e são muitos – e presenciar esse desenvolvimento. É também muito enriquecedor viver essa nova etapa, nos adaptar ao papel de pais, que tem trazido bastante crescimento e amadurecimento para nós. E, tirando os ‘aperreios’, é tudo muito divertido também”, revela.
A recepcionista Andréa Lima de Paula, 35, já tinha dois filhos biológicos – Samuel, 14, e Kevin, 12, quando a revisora de confecções Simone Cruz da Silva, 34, entrou em sua vida. A namorada conquistou os meninos como uma amiga e ainda se tornou mais uma mãe, agora de coração. “Assim como Andréa, eu também fui casada por dez anos em um relacionamento heterossexual. Quando a conheci, percebi que Deus havia me dado dois filhos lindos”, diz Simone.
Com um ano de relacionamento, elas explicaram aos garotos, com muito medo da aceitação, que eram um casal. “Quando contei, vi que o medo era todo meu e eles me aceitaram com uma naturalidade que me emociono só em lembrar. Eles disseram: ‘se você é feliz assim, nós te amamos do mesmo jeito e agora temos duas mães'”, revela Andréa, emocionada.
Quando o assunto é preconceito, as duas são taxativas: “A sociedade não vai olhar a gente de forma igualitária enquanto cada indivíduo não parar para pensar e mudar pensamentos e atitudes”. Embora haja dificuldades, elas também mencionam relações de muito respeito com os pais de colegas de seus filhos e a escola. “Alguns são nossos amigos próximos, outros entendem e agem com tranquilidade”.
O casal, que é de Americana, no interior de São Paulo, tem um sonho para os meninos: “Esperamos que eles estudem, cresçam homens de bem, honestos, trabalhadores, que sempre respeitem o próximo e que, acima de tudo, eles sejam felizes”, enfatizam as mães de Samuel e Kevin.
O representante comercial Vinícius Carrara, 29, sonha o mesmo para suas duas filhas: Maria Eduarda, oito anos, e Dominique, sete anos. As duas são frutos de um relacionamento anterior com uma mulher, mas não tiveram problema nenhum e “adotar” mais um pai, o analista de compras Felipe Cruz Lopes, 30, que entrou para a família há sete meses.
O período, que parece pequeno, serviu não apenas para o nascimento de mais uma família, como também para os pais de Vinícius aceitarem a orientação do filho. Eles não sabiam do relacionamento dos dois até que Felipe se mostrou um companheiro em momentos difíceis, como a morte da avó de Vinícius.
“Foi nesse momento que meu pai realmente assumiu para ele mesmo e revelou para nós que já entendia nossa relação. Hoje, todos os meus amigos, familiares e minhas filhas sabem, aceitam e, acima de tudo, nos respeitam”, afirma o pai de Maria Eduarda e Dominique.
Embora as crianças morem com a mãe, elas sempre estão ao lado dos pais. Os dois, que dividem uma casa em Bauru, no interior de São Paulo, aproveitam a presença das pequenas para fazer muita festa. “Quando elas estão conosco, a casa vira uma bagunça só. Colchão na sala, filme, comidas gostosas, brincadeira e, é claro, as tarefas da escola e da casa, que elas sempre nos ajudam do jeitinho delas”, explica Vinícius.
A ação de divulgar fotos de famílias homoafetivas abriu espaço, segundo Vinícius, para mostrar o que realmente aterroriza as crianças de todo o mundo. “Eu posso dizer que o que aterroriza uma criança é, na verdade, violência, negligência, preconceito e a falta de amor ao próximo.
Para elas, toda forma de amor e família é considerada justa. Independentemente de terem dois pais, duas mães, só um pai ou só uma mãe, as crianças precisam ser e se sentir amadas, respeitadas. Não peço que me aceitem, pois isso eu já fiz comigo mesmo. Eu peço [à sociedade] que me respeite, apenas isso. Respeitem a mim, ao meu companheiro e a todas as formas de amor”, finaliza.
Amor legítimo
No Brasil, o casamento gay ocorre legalmente desde 2011, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu a equiparação da união homossexual à heterossexual. Dois anos depois, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decidiu que os cartórios brasileiros fossem obrigados a celebrar casamento entre pessoas do mesmo sexo e não poderiam se recusar a converter união estável homoafetiva em casamento.
No caso de adoções por casais homossexuais, a autorização depende do juiz, assim como com casais heterossexuais. No entanto, um impulso considerável foi dado pela 4ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que, por unanimidade, negou recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul contra a adoção de duas crianças por um casal de mulheres em abril de 2010.
A decisão apontou que estudos não indicam qualquer razão para impedir que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, pois o que importa é a qualidade do vínculo e do afeto no meio familiar em que serão inseridas.
Bárbara Forte
Do BOL, em São Paulo
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