(Jota, 23/07/2016) As chances de uma pessoa branca presa em flagrante ser solta após uma audiência de custódia com um juiz são 32% maiores do que as de pessoas negras ou pardas – esse é o diagnóstico do 3º Relatório Sobre o Perfil dos Réus Atendidos nas Audiências de Custódia, produzido pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro com base nos casos registrados entre 18 de janeiro e 15 de abril deste ano.
Dos 1.464 réus, 838 – cerca de 70% – eram negros ou pardos. Destes, 218 (26%) passaram a responder ao processo em liberdade após a audiência de custódia com o juiz. Entre os brancos, o número de liberdades concedidas aumenta: dos 353 réus, 128 (36%) receberam liberdade provisória.
Nas audiências de custódia, os juízes observam a prisão sob o aspecto da legalidade e avaliam a necessidade ou não de manter o preso custodiado ou se é caso de concessão de liberdade provisória, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares.
As primeiras audiências foram realizadas no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 18 de setembro de 2015.
Finalizado no dia 6/7, o documento mostra também que o número de liberdades concedidas em comparação aos dois relatórios anteriores sobre o perfil dos réus atendidos nas audiências de custódia caiu de 40% para 29%. Nessa terceira edição, foram registradas 413 solturas e 1021 prisões foram mantidas – 30 casos constavam sem informação.
Branco sai, preto fica
Para o defensor público Emanuel Queiroz, a situação retratada no relatório não surpreende, já que o perfil dos presos não muda.
“É importante fazermos a reflexão sobre quem são as pessoas presas e, sobretudo, nos atentarmos para o fato de que a maior parte da nossa população carcerária é constituída por pessoas negras e pardas”, disse.
A afirmação do defensor, conselheiro de defesa criminal na Defensoria Pública do Rio de Janeiro, pode ser ilustrada pela proporção de negros entre os 622.202 presos no Brasil: 61,6% são pretos e pardos. Esses números estão no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), relativo a dezembro de 2014 e divulgado em abril pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça.
“Não acredito que estejamos diante de um racismo deliberado, aqui a questão é a naturalização do preconceito”, pondera Queiroz, sobre a soltura de mais pessoas brancas após as audiências de custódia.
Os fatores que levam a esse cenário, segundo ele, são as próprias dificuldades estruturais da população afrodescendente – que levam essas pessoas a uma situação de vulnerabilidade extrema.
“Então, como a miséria é criminalizada, fica mais difícil conseguir defender essa pessoa”, constatou.
Custódia
A audiência de custódia determina a apresentação do preso em flagrante ao juiz em até 24 horas. Tal providência dá ao magistrado mais elementos antes de decidir sobre a necessidade da prisão preventiva.
Atualmente, 40% dos presos do país são provisórios, o que representa cerca de 250 mil pessoas. O estado do Rio de Janeiro conta com aproximadamente 22 mil presos sem condenação.
De acordo com dados divulgados no final de junho pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre as 93,4 mil audiências de custódia realizadas, 47,46% resultaram em libertação de presos, com ou sem a imposição de medidas cautelares. Já a taxa de conversão de prisão em flagrante em prisão preventiva ficou em 52,54% (50 mil casos).
Principal política criminal da atual gestão do CNJ, as audiências de custódia evitaram, em pouco mais de um ano, a prisão desnecessária de mais de 45 mil pessoas que – conforme a legislação em vigor – não precisavam aguardar o julgamento na cadeia.
Mariana Muniz
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