(El País, 27/07/2016) Chanceler interino brincou diante de sua colega mexicana sobre as mulheres na política
A cena aconteceu na segunda-feira. De um lado da grande mesa de madeira estava sentado o grupo que acompanhava a ministra das Relações Exteriores mexicana Claudia Ruiz Massieu. Ao lado dela, a embaixadora do México no Brasil, Beatriz Paredes. Eram quatro mulheres e dois homens. Diante delas estava a delegação visitante. O ministro das Relações Exteriores brasileiro, José Serra, e sua equipe. Seis homens de gravata e uma mulher. Na mesa foi revelada a maneira como dois governos enfrentam a igualdade de gênero na política.
“Para os políticos homens no Brasil é um perigo porque descobri aqui que metade das senadoras é mulher”, brincou José Serra diante de sua colega durante uma entrevista coletiva em que falaram sobre as relações comerciais entre os dois países. A risada que Serra deixou escapar se referia a um fato: 47 senadoras trabalham na câmara alta mexicana, composta por 128 legisladores, representando 36% do Senado. O número reflete a batalha que as mulheres mexicanas travaram para obter mais espaços na política desde 1952, ano em que a primeira mulher foi eleita para o Congresso.
José Serra, de 74 anos, disse durante sua visita à Cidade do México que no Brasil as mulheres não representam 20% do Senado. No seu tempo como senador, o político do PSDB conviveu com 13 mulheres, num total de 81 senadores. Numa classificação feita pela União Interparlamentar, o Brasil está no 153º lugar entre 185 nações. O México ocupa a sétima posição. Em outras classificações, como a realizada pela Women in Parliaments, uma fundação mundial suíça, o Brasil está relegado ao 131º posto.
Serra foi nomeado ministro em maio, quando Michel Temer foi designado presidente interino do Brasil depois do impeachment de Dilma Rousseff. Uma fotografia ficou na memória naquele 12 de maio, o dia em que o novo Governo foi apresentado. O presidente rodeado por seus colaboradores. Todos os homens brancos. Nem uma mulher, nem um único negro.
O presidente mexicano Enrique Peña Nieto apoiou a aprovação de leis que abrem o caminho para as mulheres na política. Em 2014, o Congresso aprovou uma reforma política que exige que os partidos apresentem 50% de candidatas (no Brasil, existe uma lei análoga que exige 30% de participação feminina). Isso permitiu que 212 mulheres ocupassem um assento entre os 500 que compõem a Câmara dos Deputados depois das eleições de 2015, 46% dos assentos. Mas o México ainda tem várias pendências em relação à igualdade de gênero. O presidente só tem três secretárias em 19 pastas ministeriais. E em nível local, a diferença é ainda maior. De 32 governadores, apenas uma mulher comanda um Estado hoje.
Além da questão de gênero, os ministros das Relações Exteriores concordaram em questões comerciais. Ambos os países estão trabalhando no Acordo de Complementação Econômica 53 (ACE 53), um acordo assinado em 2002 que regula a exportação e importação de cerca de 800 produtos. José Serra disse que pretende expandir o acordo, atualmente de dimensão modesta, que pode ser estendido para um universo de 10.000 produtos. O comércio anual entre os dois países, ambos gigantes da região, é da ordem de 8 bilhões de dólares (cerca de 26 bilhões de reais).
Sensibilidade diplomática
Depois de brincar em relação às mulheres na política com a colega, cujo trabalho no ministério que encabeça no México envolve fóruns de intercâmbio de boas práticas em gênero, justiça e violência, José Serra recordou antes de encerrar a conversa que a agora afastada Dilma Rousseff foi presidente do país a partir de 2011. Procurado pela reportagem, o Itamaraty não se posicionou sobre a declaração do ministro até o fim desta terça-feira.
Sua viagem era, obviamente, de caráter diplomático, mas o tom adotado pelo chanceler interino ao fazer o comentário a Claudia Ruiz demonstrou pouca diplomacia. Ele reafirmou a ela seu convite para os Jogos Olímpicos do Rio, acrescentando, porém, uma advertência: “Quero muito que você vá, mas será um perigo porque chamará a atenção para este assunto” da participação feminina na política mexicana.
No Brasil, o episódio tampouco foi visto como conciliador, considerando, sobretudo, que o Governo interino de Michel Temer recebe críticas pela total ausência de mulheres em seus 22 ministérios. É a primeira vez que isso acontece no país desde o Governo ditatorial de Ernesto Geisel (1974-1979).
Nos perfis oficiais de Serra no Twitter e no Facebook, José Serra postou sobre seu encontro, rumo ao México, com María Ángela Holguín, sua homóloga colombiana. Os dois se encontraram no aeroporto de Bogotá, onde ele fez escala, para “realizar uma agenda de forte estreitamento comercial entre o Brasil e a Colômbia”. Mais uma surpresa, possivelmente, no caminho de um ministro acostumado a um gabinete 100% masculino.
Luis Pablo Beauregard e Camila Moraes
Acesse no site de origem: José Serra descobre a igualdade de gênero no México (El País, 27/07/2016)