(UOL Notícias, 07/08/2016) Há dez anos, graças à promulgação da Lei Maria da Penha, o enfrentamento da violência contra a mulher passou a contar com uma legislação consistente, inovadora, e, hoje, exitosa. Superamos a fase em que a sociedade fechava os olhos para esse problema –retratada pelo dito “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”– e adentramos um novo momento, em que proteger e apoiar as mulheres vítimas de violência tornaram-se responsabilidades do Estado.
Nesta década, avançamos muito. Firmamos, com todos os Estados, o Pacto de Enfrentamento à Violência contra Mulheres, que permitiu formar a rede integrada de serviços preconizada no artigo 8º da Lei Maria da Penha. Atualmente, chegam a 1.063 os serviços especializados de atendimento à mulher em situação de violência. Porta de entrada nesta rede, o Ligue 180 realizou 4,7 milhões de atendimentos em dez anos.
Em 2013, lançamos o programa Mulher, Viver sem Violência, em linha com nosso compromisso de tolerância zero com a violência contra a mulher. Além de reforçarmos a rede de atendimento, com a criação de centros de atendimento nas fronteiras secas e de unidades móveis (ônibus e barcos) para atender mulheres em locais de difícil acesso, começamos a implantar a Casa da Mulher Brasileira, para garantir atenção integral às mulheres, oferecendo serviços públicos de segurança, justiça e saúde, com um atendimento organizado e humanizado.
O projeto prevê uma Casa da Mulher em cada capital do país. Lá, as vítimas de violência passam a contar com serviços de acolhimento e abrigo, atendimento psicossocial e orientação sobre trabalho, emprego e renda. Estão em funcionamento as casas de Campo Grande, Brasília e Curitiba, que propiciam, no mesmo espaço físico, atendimento da delegacia da mulher, do Ministério Público, de defensorias públicas e juizados especializados, dos quais as mulheres recebem as medidas protetivas de urgência. A Casa da Mulher resume a tarefa que cabe ao Estado em relação às mulheres vítimas de violência: dar assistência às necessidades emergenciais e contribuir para que elas possam recomeçar a vida, recuperar a autoestima e reescrever sua história.
A sanção da Lei do Feminicídio, em 2015, representou mais um passo no enfrentamento à violência contra a mulher. Com esta lei, o crime de feminicídio, porque cometido contra as mulheres apenas por sua condição feminina, passou a ser enquadrado como qualificado, aumentando a pena aplicada aos assassinos. Julgado como crime hediondo, o feminicídio impõe a seus autores penas de prisão sem atenuantes.
Nesta semana, uma nova conquista. O Conselho Nacional do Ministério Público decidiu que as previsões da Lei Maria da Penha devem ser utilizadas também para proteger as pessoas transexuais e travestis vítimas de violência.
A Lei Maria da Penha é uma conquista contra a impunidade e a violência. É ponto de partida de um caminho construído com novas leis e com políticas de Estado voltadas à ampliação do poder das mulheres na sociedade brasileira.
Esta caminhada não admite recuos. Continuaremos lutando contra projetos como o que atribui à autoridade policial a concessão de medidas protetivas de urgência ou o que propõe a substituição da palavra gênero por sexo feminino, porque descaracterizam a Lei Maria da Penha. Vamos nos opor a todas as alterações que restrinjam o alcance da lei. É urgente enfrentar a violência que tem origem na cultura machista, que naturaliza a opressão e a agressão contra a mulher.
Nós, mulheres, não podemos transigir. Combater a violência é nos opor à cultura de restrição de direitos que ainda vige no Brasil e que, neste momento, ameaça se fortalecer. Temos direito à integridade física desde a infância. Direito de não sermos vítimas de abuso sexual. Direito à própria sexualidade. Direito de não sermos subjugadas por sermos mulheres. Direito de trabalhar, de ganhar o mesmo que os homens. Direito de sermos avaliadas por nossas capacidades e competências, e não por nossa aparência. Direito a uma vida plena.
A Lei Maria da Penha é um marco na luta pela igualdade de gênero. Um instrumento decisivo para a construção de um Brasil sem preconceitos e que reconhece e protege os direitos das mulheres. Este Brasil que construímos ainda é um sonho, mas com luta e políticas de governo o transformaremos em realidade.
DILMA ROUSSEFF é presidente da República.
Acesse no site de origem: Dez anos da Lei Maria da Penha: nenhum retrocesso é aceitável, por Dilma Rousseff (UOL Notícias, 07/08/2016)