Para ativista do movimento feminista e negro, a luta vai continuar; “não vamos voltar para o mesmo lugar de onde saímos; houve uma caminhada em que vislumbramos direitos”
(Rede Brasil Atual, 31/08/2016 – acesse no site de origem)
O golpe cruel, cínico, absurdo e violento, em todas as suas cores e formatos, não tem a ver com Dilma, Lula, ou o PT. Tem a ver fundamentalmente com a gente, a maior parte da população brasileira que lutou para eleger um governo de esquerda. A avaliação é da ativista Jurema Werneck, da coordenação técnica da organização Criola, que defende e promove os direitos das mulheres negras.
O recado dos setores conservadores que sustentaram o processo de afastamento de Dilma Rousseff, segundo ela, é claro. “Esse conjunto de homens brancos que usam Janaína Paschoal para confrontar Dilma de maneira ridícula, só para dizer que não é machista, nunca deixou a Casa Grande. Eles se acham donos do país, de nós, de tudo, não estão se importando para o sexismo, o racismo, a cor da pobreza, mas dizendo que são donos da gente”, diz.
Para Jurema, o país entra agora em uma nova fase – a do império do mercado, do mercado financeiro e dos corruptos. “O impeachment é como se fosse a eleição direta desses grupos e de tudo o que está por trás deles, porque Cunha, Bolsonaro, Temer, Aécio são pequenos diante desse castelo de cartas. Eles tem interesses menores, não estão interessados na história, e sim em seu pequeno feudo corrupto”, afirma.
As expectativas, para a ativista, são as piores. “Espero pelo pior no sentido da Constituição que está sendo mal tratada, dos ataques aos direitos, à cidadania, como houve em São Paulo esses dias, com a Polícia de Geraldo Alckmin reprimindo manifestantes, ou como aqui no Rio, num cerco para defender um nadador branco, em que teve gente que morreu. Espero o pior dessa gente, que é incapaz de oferecer coisa diferente disso.”
A resposta, para ela, é a continuação da luta. “Vamos sinalizar que, perdendo ou ganhando, eles não são donos. Eles estão em vantagem nesse momento, é verdade. Mas a luta para eleger Lula e Dilma é uma luta de décadas, em que vínhamos produzindo esse clima de insurgência e indignação, de necessidade de mudanças. Isso fica porque não acabou. A gente não desiste porque os fascistas, racistas, homofóbicos, sexistas estão vencendo neste momento.”
Médica e autora de livros e artigos sobre população e cultura negra, saúde e políticas para as mulheres negras, feminismo, racismo e direitos humanos, Jurema avalia que o golpe avançou em meio a estruturas políticas e de comunicação carentes de reformas. “Faltou coragem ao presidente Lula, recém-eleito, que tinha todo mundo na rua em seu apoio. Na sua segunda eleição, era o momento de fazer as reformas. Na primeira eleição de Dilma também havia ambiente”.
A ativista lamenta que os governos conduzidos ao poder com apoio dos movimentos populares tenha valorizado aspectos conservadores da política econômica e das políticas sociais que ela classifica como “castelo de cartas”. “Esse castelo de cartas desmoronou em 100 dias, antes que o impeachment se consumasse; não havia nada que sustentasse porque não foi feito o que precisava”.
Entristecida com o golpe contra a democracia, Jurema se diz triste também porque as conquistas ficaram aquém do esperado nos governos de Lula e Dilma. “A gente tinha um projeto de ir mais longe, mas não fomos. Mas o pouco que se andou foi uma caminhada. E esse vislumbre, essa possibilidade de ir à universidade, apesar das condições que ela está, da possibilidade do sonho da casa própria apesar de todos os problemas do Minha Casa Minha Vida, a gente experimentou uma vitória, tímida, da ideia de que a gente também tem direitos.”
O movimento da sociedade que levou Lula e Dilma ao poder – que vai continuar – é o maior legado. “O que fica desse período dos governos petistas é que a gente não está voltando mais para o mesmo lugar de onde saímos. O pouco que se andou foi uma caminhada.”
Cida de Oliveira