O governo brasileiro registra um caso de sequestro internacional de criança a cada três dias. Dos 287 nos últimos dois anos e meio, 56% são pedidos de devolução feitos por outros países ao Brasil. Nesse período, entre janeiro de 2014 e agosto deste ano, 55 crianças voltaram para seus países e 25 regressaram ao Brasil em função de negociação internacional.
(UOL, 27/09/2016 – acesse no site de origem)
Segundo a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), órgão ligado ao Ministério da Justiça que compila os casos, por trás desses dados há histórias como a da pernambucana Claudia Boudoux, 39, que foi para a Argentina neste mês para tentar recuperar o filho.
Claudia tem duas opções. Uma é acionar a Justiça argentina diretamente –ela diz não ter recursos para isso. A outra possibilidade, que pode ser simultânea, é entrar com um pedido de cooperação civil com base na Convenção de Haia.
O Brasil tem uma parceria para o cumprimento dessa convenção sobre subtração de menores com 42 países, incluindo a Argentina. Os EUA são o lugar mais demandado pelo país para devoluções.
Um dos casos é o da nutricionista Cintia Pereira, 36, que largou o trabalho e deixou a casa onde morava em São Paulo para ir travar uma disputa judicial pelo filho Joseph Lorenzo Heaton, 5.
O garoto é fruto do casamento com o americano Gary Lee Heaton II, em Salt Lake. Eles se casaram em 2009 e se separaram dois anos depois. Em 2013, o ex-marido, que havia voltado a morar nos Estados Unidos, retornou ao país com pedido de divórcio e da guarda.
O americano conseguiu a guarda temporária do filho ao alegar à Justiça que Joseph era vítima de agressão da mãe e abuso sexual do irmão mais velho, hoje com 13 anos, fruto do primeiro casamento de Cintia.
As acusações não foram comprovadas e a Justiça brasileira devolveu a guarda à mãe. Mas ela não recuperou o filho. O pai fugiu pelo Paraguai e levou a criança para os EUA, onde Cintia está e participou de audiência em abril, quando reencontrou o garoto. “Só abraçava. O pai dele falou que eu tinha morrido.”
A união durou apenas um mês. O ex-marido conseguiu a guarda provisória após repetir as acusações de agressão e abuso sexual à Justiça americana.
“Eu sinto uma mistura de tudo: de injustiça e de abandono pelas autoridades brasileiras que dizem não ter verba para ajudar”, diz a nutricionista.
Estou vivendo de doações, de ajuda de pessoas comuns, que acompanham a história desde o desaparecimento.” Com a disputa judicial em duas frentes, Cintia tem dois advogados em dois países.
Queixas
Mas os problemas não são unidirecionais. Portugal é o país com mais pedidos que deveriam ser cumpridos pelo Brasil (33 dos 170 ativos).
Já um relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos indica três casos de crianças americanas trazidas ao Brasil de forma supostamente ilegal somente em 2015.
O documento leva em consideração registros do chamado Ato de Prevenção a Abdução Internacional Sean e David Goldman, nomeado após o processo do garoto de mãe brasileira. De anos anteriores, continuam pendentes ações sobre 13 supostos sequestros – o mais longo já perdura há mais de sete anos.
O país é alvo de críticas pelo “padrão de descumprimento” de convenções internacionais. A autoridade americana vê o atraso na apreciação de processos por tribunais como um fator que explica a situação.
O Departamento informou que, no ano passado, mais de 600 crianças americanas foram reportadas como levadas para outros países. Mais de 4.000 foram incluídas em um programa de alerta de passaporte, de modo a evitar viagens ilegais.
Trâmite
Nos casos da Convenção de Haia, o Brasil envia o pedido de cooperação ao órgão do Executivo ao país em que está a criança. A solicitação é repassada ao Judiciário local e se obtém uma ordem de retorno com base na convenção. Mesmo em casos em que há dupla nacionalidade, o fato tem importância secundária, assim como a preferência por viver com um ou outro genitor.
“A nacionalidade da criança ou dos pais é irrelevante para a decisão, pois o que vale é o local de residência habitual da criança, que também determina qual lei deve ser aplicada ao se analisar o caso”, destaca em nota a SEDH.
“Uma criança que resida no Brasil e seja levada para outro país deve ter a guarda decidida no Brasil, e seu retorno ou não decidido pelo juiz com base na legislação brasileira.” As informações são do jornal “O Estado de S. Paulo”.