Gisele Regina Correia, 43 anos, trabalha como subencarregada em um escritório de contabilidade em São Vicente, litoral Sul de São Paulo. É casada com Wilson Roberto Pena, um ano mais novo, que atua como profissional autônomo na área da construção civil. Ela tem uma filha, Luana, 14, fruto de seu primeiro casamento, e é uma das mulheres que ajudam a engrossar a lista do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010, que aponta que 40,9% das mulheres sustentam seus lares.
(O Estado de S. Paulo, 03/10/2016 – acesse no site de origem)
Como a própria pesquisa aponta, mulheres provedoras de suas casas estão cada vez mais comum, e esta realidade também tem deixado de ser algo que possa causar desconforto entre o casal ou estremecer a relação.
Pelo menos é assim na casa da Gisele, que conheceu Wilson quando sua filha tinha quatro anos. Ela conta que desde o começo da relação sempre teve um salário maior, e que isso nunca foi problema para eles. “Acho que muita gente se importa com isso. Ele não se incomoda com o fato de eu ganhar mais, apenas fica chateado quando não consegue trabalho e as coisas ficam apenas por minha conta”.
Aliás, esta não é a primeira vez que Gisele atua como provedora. Na época em que era casada com o pai de Luana, também ocupava este papel. Só que as coisas não caminharam muito bem e, contrariando as estatísticas, o relacionamento terminou justamente porque ele não aceitava o fato de ela ter um salário maior. “Ele não aceitava muito bem”.
Na atual relação, ela aponta os pontos positivos do companheiro, que além de ajudá-la com o que pode em termos financeiros, passou a ajudá-la em algo muito mais importante: na criação da filha. De acordo com ela, Wilson ocupa, verdadeiramente, o papel de pai na vida de Luana. “Ele cuida dela, faz almoço quando precisa, vai buscá-la na escola, leva para a aula de dança”. E completa: “no fundo, não importa quem ganha mais, apenas acredito que os dois precisam caminhar juntos, evoluir para chegar a algum lugar. Um sempre ajuda o outro e isso é o mais importante”.
Para o médico e psicólogo Dr. Roberto Debski, é muito importante que o casal, primeiramente, esteja tranquilo, confortável e de acordo com esta situação para que não haja ressentimentos e mágoas que posam prejudicar a relação familiar. “Se este acordo familiar for benéfico e positivo para todos, terão um modelo e mapa de mundo mais amplo e abrangente para os filhos, que favorecerá o crescimento, trará novas experiências e vivências, além de enriquecer sua história de vida”.
Entre viagens e conference calls
Há um ano, Delma Bueno, 39 anos, decidiu mudar-se com sua família para a cidade de Sumaré, interior de São Paulo. Ela trabalhava como analista de sistemas em uma grande multinacional do segmento de tecnologia, sendo responsável por dar suporte para a América Latina na área de educação. Seu marido, Douglas Pavani, 40, fazia trabalhos como fotógrafo freelancer. Desde que ela teve a filha, Sofia, 2, tudo ficou diferente e a vontade de criar a pequena em uma cidade mais tranquila só crescia a cada dia.
Foi então que ela fez um acordo com a empresa e conseguiu ser transferida para trabalhar no esquema de home office. Como ela sempre teve o maior salário da casa, o marido não pensou duas vezes e embarcou no desejo de Delma. “Ele foi uma das pessoas que mais me apoiaram quando decidi mudar. Eu fui empregada e, para ele, foi um grande desafio. As coisas foram se encaixando, mas não é algo linear, não é todo dia ou toda semana que ele tem algum job”.
Vinda de uma família em que o provedor era o pai, ela conta que para os mais velhos ainda é um pouco difícil entender o que eles chamam de “papéis invertidos”. Ela conta que desde que começou a namorar com Douglas já possuía um salário maior e que isso nunca foi problema para eles. “Sempre tive a consciência de que seria a provedora, mas sempre soube que poderia contar com ele para qualquer coisa. Como sempre quis minha independência, ter a responsabilidade financeira da casa não pesa”.
Delma conta que as responsabilidades de cada um estão muito bem definidas. Quando estava grávida, por exemplo, teve algumas complicações e não podia fazer nenhum tipo de esforço. Na ocasião, Douglas ficou desempregado e pôde dar todo o suporte a ela. Depois, quando retornou da licença-maternidade, ela diz que ele a ajudou muito. “Me deu tranquilidade para voltar ao trabalho”.
Ela conta que, após a chegada de Sofia, teve de fazer duas viagens a trabalho para fora do País. “Tive de contar 100% com ele para poder ir tranquila”.
Como trabalha de casa e atende clientes de toda América Latina, Delma vive entre conference calls e diz que nos dias em que, eventualmente, Sofia não tem aula na escola, o marido se responsabiliza para que ela possa dar sequência à sua rotina de trabalho. “Mesmo eu tendo um salário maior, meu marido não é dependente de mim. Ele tem como fazer as coisas dele, se manter”.
Em seu modo de ver, há uma grande diferença numa relação em que a mulher é quem ganha mais para aquela em que a mulher é a única que ganha. “Quando o marido não tem uma posição diante da família, seja financeira ou com apoio, aí a coisa começa a complicar. Quando todos estão na mesma sintonia, as coisas fluem naturalmente, é motivo de orgulho para a mulher poder ajudar”.
Para finalizar, Delma diz que se sente completamente feliz, realizada profissionalmente, com um marido ótimo e uma filha linda. “Temos uma vida tranquila, conseguimos nos manter com certos privilégios como passeios, jantares, viagens. Me sinto feliz e realizada em proporcionar tudo isso para a minha família. Me sinto orgulhosa do que consegui construir na minha vida, não sinto peso. No geral, é muito satisfatório”.
O Dr. Debski acrescenta que a necessidade de que as mulheres trabalhem para somar na renda familiar, além de cumprir seus próprios valores e projetos de vida, vem se tornando mais comum. “Várias famílias têm a mulher como a provedora principal e, por vezes, a única, enquanto seu companheiro se encarrega de outras funções como cuidar da casa, dos filhos. Conseguir equacionar esta realidade vem sendo questão muito importante para que as pessoas mantenham suas vidas e famílias saudáveis”, comenta o médico e psicólogo.