O direito à informação é visto como um direito instrumental pois serve de meio para a efetivação de outros direitos humanos. No caso dos direitos das mulheres não é diferente, especialmente no que diz respeito à promoção de uma vida livre de violência e discriminação.
(Artigo 19, 10/10/2016 – acesse no site de origem)
Fator que permite o empoderamento e, assim, a efetivação de direitos, o acesso à informação também contribui para que as mulheres possam tomar decisões informadas em diversos campos, como a saúde, educação, moradia e questões relativas aos direitos sexuais e reprodutivos.
Vale citar ainda que a produção de informações oficiais sobre o universo da mulher, tarefa de responsabilidade do Estado, também é fundamental por se tratar de um importante componente na elaboração de política públicas bem sucedidas.
Neste dia 10 de outubro, Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher, a ARTIGO 19 lista alguns exemplos de como o acesso à informação pode ajudar as mulheres brasileiras a efetivar direitos essenciais, propiciando uma melhor qualidade de vida e combatendo a desigualdade de gênero na sociedade.
Direitos sexuais e reprodutivos
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece uma série de serviços voltados aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher sem nenhum custo. É fundamental que a informação sobre esses serviços seja de conhecimento de todas as mulheres brasileiras para que possam obter mais autonomia sobre si e o próprio corpo.
O SUS permite que toda mulher realize cirurgia para esterilização – as chamadas cirurgias de laqueadura – quando desejar, contanto que seja maior de vinte cinco anos ou tenha pelo menos dois filhos vivos. Além disso, o sistema também oferece gratuitamente diversos métodos contraceptivos em postos de saúde do país, como as pílulas anticoncepcionais.
Já o aborto legal é possível de ser realizado em apenas três casos: quando a gravidez é decorrente de estupro, quando há risco de morte para a mãe, ou quando o feto é anencéfalo. No entanto, poucas são as mulheres que sabem que possuem esse direito. Uma pesquisa encomendada pela organização Católicas pelo Direito de Decidir e realizada pelo Ibope em 2006 indicou que quase metade dos brasileiros (48%) desconhece as situações em que o aborto pode ser feito legalmente.
Participação na vida pública
Um dos principais reflexos do sistema patriarcal na sociedade é o afastamento das mulheres da vida pública. Uma boa evidência está na composição do Congresso Nacional.
Ainda que as mulheres sejam mais da metade do eleitorado brasileiro, em Brasília elas são menos de 10% dos parlamentares. Na Câmara, a representação feminina é de apenas 45 deputadas contra 468 homens, uma disparidade gritante.
Duas outras pesquisas também demonstram as dificuldades do público feminino em questões relacionadas à vida pública. Segundo a Controladoria-Geral da União, entre maio de 2012 e maio de 2016, as mulheres eram apenas 39,19% das pessoas que realizaram pedidos de informação direcionados ao Executivo Federal. Já um estudo publicado em 2014 pela Fundação Getúlio Vargas que analisou a transparência em órgãos públicos de quatro estados (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal) constatou que a taxa de resposta para pedidos de informação feitos por mulheres era de 57%, enquanto que para homens era de 72%, diferença que pode expressar um tratamento discriminatório.
Nesse sentido, o acesso à informação é fundamental para que mulheres possam exercer sua cidadania e, assim, participar mais ativamente da vida pública, monitorando o trabalho do governo e promovendo junto à sociedade direitos que lhes são historicamente negados.
Violência
Outro reflexo do patriarcado é a violência contra mulher, que causa milhares de vítimas todos os anos. Segundo dados da antiga Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, dos 4.762 homicídios de mulheres registrados em 2013, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que 33,2% foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros.
Em razão do cenário extremo de violência contra a mulher, o Estado brasileiro criou diversos serviços específicos voltados às vítimas. A lista conta com a Central de Atendimento à Mulher, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, os Centros de Referência de Atendimento à Mulher, as Casa Abrigo, entre outros.
No entanto, o conhecimento sobre esses serviços ainda é muito pequeno. Segundo pesquisa realizada pelo Ibope em 2006, 95% das mulheres brasileiras desconhecem os serviços de violências sexual em suas cidades.
O papel do Estado
De acordo com o Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, organismo ligado à ONU, os Estados devem não só eliminar qualquer tipo de barreira que impeça mulheres de exercerem seu direito à informação como ainda tomar medidas proativas para que isso ocorra. Nesse sentido, é fundamental que sejam feitas campanhas que busquem aumentar a consciência das mulheres sobre o direito à informação, sempre com o cuidado de empregar linguagem acessível e de respeitar os contextos locais.
Outro elemento de suma importância, e também de dever do Estado, é a existência de incentivos para a participação das mulheres nas esferas do poder e na elaboração e implementação de políticas públicas. É só com uma participação ativa do público feminino nestes espaços que o direito à informação e os demais direitos poderão ser efetivamente usufruídos pelas mulheres.
Por fim, vale lembrar a obrigação do poder público em produzir dados sobre questões relacionadas à discriminação contra a mulher, dados estes que devem ser atualizados periodicamente, disponibilizados em formato aberto, em linguagem acessível e desagregados por sexo, gênero, classes e raça/cor. Trata-se de prática essencial para a elaboração de políticas públicas que visem mitigar o problema, mas à qual infelizmente o Brasil não dá a devida importância.
De acordo com o relatório da ARTIGO 19 “Violência Contra a Mulher no Brasil – Acesso à Informação e Políticas Públicas”, o cenário brasileiro é o de escassez de informações oficiais na área. No máximo, o que há são estudos pontuais, sendo que o Sistema Nacional de Dados sobre Violência contra a Mulher, previsto na Lei Maria da Penha, nunca saiu do papel.
Em um país que registra altos números de feminicídios e casos correlatos de violência, o direito de acesso à informação sobre questões relacionadas à mulher ganha ainda mais relevância. Com isso em mente, cabe ao Estado brasileiro não medir esforços para garantir que esse direito seja efetivado, apontando assim para a realização dos demais direitos das mulheres.