Consolidado como uma forma de arte que segue parâmetros eurocêntricos, o balé excluiu historicamente os corpos negros da técnica clássica. Apesar dos inúmeros bailarinos negros notáveis, racismo persiste
(Nexo, 26/10/2016 – acesse no site de origem)
Em 2015, a bailarina carioca Ingrid Silva se tornou primeira solista do Dance Theatre of Harlem, companhia de balé nova-iorquina formada por artistas afro-americanos e de outras origens raciais. Não há bailarinos brancos na companhia.
A trajetória da bailarina brasileira no exterior é excepcional não só pelo feito de integrar uma companhia internacional reconhecida, mas também pela raiz da palavra, vinda de “exceção”: Ingrid é negra e o balé clássico é dominado, historicamente, por artistas brancas. “No Brasil, eu não conheço nenhuma bailarina negra no balé clássico”, disse Ingrid no programa “Encontro com Fátima Bernardes”, em maio de 2015.
Parte da companhia americana desde 2008, Silva descreve em um vídeo da revista “Allure” a rotina de tingir diariamente com maquiagem a sapatilha de cor clara para que ela adquira o mesmo tom de sua pele, incômodo comum entre as bailarinas negras. Também há relatos de bailarinas incentivadas a clarearem a pele com maquiagem para as apresentações.
“Ser uma bailarina negra dessa geração é literalmente fazer história todos os dias para muitos outros [dançarinos negros] que virão depois de você”
Ingrid Silva
Para a “Allure”
Iniciativas de inclusão
O balé se desenvolveu na corte do rei Luís 14, na França do fim do século 17. Se consolidou como uma forma de arte de elite, com rígidos parâmetros eurocêntricos, excluindo os corpos negros da técnica clássica – tanto como dançarinos quanto como diretores ou coreógrafos – e continuou a impedir que pessoas negras seguissem carreira profissional no balé clássico durante boa parte do século 20, segundo um artigo publicado pelo “The New York Times” .
A marginalização permanece até hoje. Mas já há companhias pelo mundo comprometidas em reverter essa situação, como a Dance Theatre of Harlem. E há também uma tradição de excelência construída mesmo com todas as adversidades.
Em 2015, a americana Misty Copeland se tornou a primeira mulher negra a ser nomeada primeira-bailarina na prestigiosa companhia American Ballet Theater, uma das mais importantes dos EUA, com 75 anos de história.
Ao lado do bailarino Brooklyn Mack, também negro, Copeland dançou, em 2014, o espetáculo “O Lago dos Cisnes” e fez história: foi a primeira vez que dois bailarinos negros dançaram nos papéis principais – de Odette/Odile e Príncipe Siegfried – de um espetáculo de uma grande companhia de balé nos EUA.
Antes de Misty Copeland, poucos bailarinos afro-americanos já tinham feito parte do elenco principal de uma companhia de balé americana importante. Dos que haviam, todos menos uma, segundo uma matéria da “PBS”, eram homens.
“Precisamos treinar e apoiar dançarinos e coreógrafos de balé negros e cultivar a diversidade nas plateias. Se falharmos nisso, não só os bailarinos negros aspirantes irão sofrer, mas o balé como um todo — por perder os talentos da próxima Misty Copeland e falhar em atrair o público do século 21.”
Laurie Woodard
Foi integrante do Dance Theatre of Harlem
Quem são as bailarinas negras que romperam padrões
JANET COLLINS
(1917-2003) EUA
Em 1951, tornou-se a primeira bailarina negra a dançar no Metropolitan Opera House, em Nova York. No mesmo ano, estrelou “Out of This World”, espetáculo do compositor Cole Porter e ganhou o Donaldson Award, prêmio que a coroou como melhor dançarina da Broadway;
Antes, havia sido admitida para o Ballet Russe de Monte Carlo mas se recusou a integrar a companhia porque foi lhe exigido que pintasse a pele de branco para se apresentar.
Collins também foi pintora e coreógrafa.
MERCEDES BAPTISTA
(1921 – 2014) Brasil
Aprovada em um concurso em 1948, Mercedes foi a primeira bailarina negra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Na década de 1940, frequentou a Escola de Dança da bailarina Eros Volússia, que investigava danças populares com o objetivo de criar um balé brasileiro erudito.
Como integrante do Theatro Municipal do Rio, a batalha contra o racismo continuou: poucos diretores do grupo a selecionavam para compor o elenco dos espetáculos. Na mesma época, realizou inúmeras participações e apresentações com o grupo do “Teatro Experimental do Negro” e militou pelo reconhecimento de atores e dançarinos negros no teatro brasileiro.
CARMEN DE LAVALLADE
(1931) EUA
Sucessora de sua prima Janet Collins como primeira bailarina do Metropolitan Opera, Lavallade também foi artista convidada do American Ballet Theater e coreografou para diversas companhias, incluindo a Dance Theatre of Harlem.
Sua carreira passa pela dança, pelo teatro, cinema e televisão. Na dança, teve ballets especialmente criados para ela pelos coreógrafos Lester Horton, Geoffrey Holder, Alvin Ailey, Glen Tetley, John Butler e Agnes de Mille.
RAVEN WILKINSON
(1935) EUA
Inspirada ao ver Janet Collins nos palcos no começo dos anos 1950, Wilkinson se tornou parte do Ballet Russe de Monte Carlo em 1955, onde depois foi solista e permaneceu por seis anos. Com a pele mais clara que a de Collins, a dançarina relata que, quando admitida na companhia, ela e seus pais receberam a recomendação de que ela não deveria deixar que o público soubesse que era negra.
Wilkinson é a mentora de Misty Copeland, a quem entregou o prêmio Dance Magazine Award em 2014.
LAUREN ANDERSON
(1965) EUA
Bailarina negra pioneira em atingir o topo de uma companhia, Anderson foi primeira-bailarina do Houston Ballet entre 1990 e 2007.
“Quando pensamos em bailarinas, pensamos em algo rosa, pálido e fofo. Não estamos acostumados a pensar nos corpos das mulheres negras nesse contexto. Pensamos nas mulheres negras como atléticas e fortes. Mas todas as bailarinas são atléticas, todas são fortes”
Lauren Anderson
Em entrevista à revista “The New Yorker”
AESHA ASH
(1977) EUA
Aos 13, Ash foi aceita em uma das escolas de balé clássico mais importantes do mundo, a School of American Ballet (SAB), escola do Balé de Nova York. Com 18 anos, em 1996, passou a integrar o New York City Ballet e nessa época era a única mulher negra a fazer parte da companhia.
MICHAELA DEPRINCE
(1995) Serra Leoa
DePrince estudou dança nos Estados Unidos, onde se formou na American Ballet Theatre’s Jacqueline Kennedy Onassis School de Nova York, em 2012. No mesmo ano, se tornou parte do Dance Theatre of Harlem, onde era o membro mais jovem da companhia.
No ano seguinte, a bailarina passou a fazer parte da companhia júnior do Ballet Nacional da Holanda, em Amsterdã, na qual é a única bailarina de origem africana.
Ela aparece no álbum visual “Lemonade”, da cantora Beyoncé, lançado em 2016.
PRECIOUS ADAMS
(1996) EUA
Estudou no The Bolshoi Ballet Academy, na Rússia, onde um professor perguntou o que ela fazia ali sendo negra. Segundo lugar no Prix de Lausanne, prêmio importante de dança da Suíça, conseguiu uma bolsa de estudos e hoje faz parte do English National Ballet.
CÉLINE GITTENS
(1996) Trindade e Tobago
Solista do Birmingham Royal Ballet, do qual faz parte desde 2006, dançou com Tyrone Singleton em 2012 “O lago dos cisnes”. O repertório existe há quase 150 anos e foi a primeira vez que bailarinos negros tiveram os papéis principais do espetáculo na Inglaterra.
Juliana Domingos de Lima