A participação das mulheres nos cargos eletivos é pauta histórica do movimento feminista, que busca garantir uma real igualdade de gênero no sistema político. Ainda tentando digerir a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, famoso por declarações e atitudes machistas e misóginas, proponho um pouco mais de reflexão sobre o quadro nacional. O desfecho das eleições municipais de 2016 reforça a necessidade urgente de uma reforma política que garanta, de forma estrutural, a participação das mulheres nas disputas eleitorais.
(HuffPost Brasil, 14/11/2016 – acesse no site de origem)
Apesar de ter havido um aumento expressivo do número de mulheres eleitas – mais de 60% das capitais brasileiras elegeram mais mulheres para a legislatura 2017-2020 -, é preciso fazer uma avaliação sobre qual projeto político de sociedade elas representam. Quando avaliamos o perfil das legendas utilizadas por essas mulheres para suas candidaturas, percebemos o aumento crescente de candidatas eleitas por partidos que defendem agendas extremamente conservadoras, que conflitam com as demandas apresentadas pelas mulheres e os movimentos feministas.
Temas urgentes e caros às mulheres, que devem ser tratados como prioridade pelas próximas legislaturas, são o fim da violência física e moral, o desenho de um planejamento urbano seguro e inclusivo, o acesso à saúde de qualidade, a trabalho e renda, e à saúde reprodutiva. Essas pautas estão sob forte ameaça por projetos que já tramitam nas casas legislativas do país, como o Projeto de Lei 6033/2013, de autoria de Eduardo Cunha, ex-deputado federal, que propõe a anulação da Lei 12.845, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff e que institui que os hospitais devem oferecer às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, incluindo, entre outras coisas, a profilaxia da gravidez (métodos para evitar uma gestação decorrente de estupro).
Em 11 capitais brasileiras, o número de mulheres eleitas cresceu, enquanto em dez houve redução. Em cinco delas, a quantidade de mulheres escolhidas como vereadoras se manteve igual. São Paulo foi onde a representação feminina na Câmara mais expandiu: de seis na última legislatura para 11 na que começa em 2017. Salvador e Natal vêm logo atrás, aumentando de cinco para nove e de quatro para oito, respectivamente, o número de mulheres eleitas. As capitais que mais reduziram a presença de mulheres nas Câmaras locais foram Fortaleza, Belém e Porto Velho.
A análise ampla das candidaturas revela a divisão sexual nos processos de participação política. Enquanto houve 158.453 candidatas a vereadoras em todo o país, representando 33% das inscrições, havia 338.445 homens na disputa para vereador. Nos cargos executivos, a desproporção se repete: apenas 2.105 mulheres concorreram aos cargos de prefeitas, enquanto 14.418 homens se candidataram à gestão municipal. Das 5.570 cidades brasileiras, apenas 52 tiveram apenas mulheres candidatas à prefeitura.
A cota de candidaturas prevista na Lei das Eleições não tem trazido resultados práticos para garantir a participação da mulher nos processos eleitorais. No âmbito nacional, não é diferente: apenas 8,8% de mulheres foram eleitas deputadas em 2010, enquanto em 2014 o número subiu muito pouco, para 9,9%. Uma das possibilidades para aumentar o número de mulheres nesse processo é a substituição de cotas de candidaturas (hoje existente) por cotas de representação, ou seja, reservar cadeiras parlamentares exclusivamente para mulheres. Esta reserva não afasta a possibilidade de que mulheres com pouca expressão política, e sem vinculação com as pautas feministas, possam ocupar as vagas, mas seu desenho institucional pode intensificar ou abrandar esse risco.
Não basta ser mulher para representar as pautas feministas, é necessário o alinhamento com as demandas e vozes das mulheres e dos movimentos sociais na desconstrução das opressões nos âmbitos público e privado, lutando, por meio da construção coletiva de políticas públicas, pelo fim da cultura do machismo e pelo fortalecimento de um projeto de sociedade com garantia de direitos para todas as mulheres.
É preciso incentivar cada vez mais mulheres comprometidas com a agenda de direitos das mulheres a construir e participar dos processos eleitorais. É urgente promover uma efetiva participação da mulher na política, com espaço real nas arenas de decisão, não apenas como cotas de paridade que por si só não solucionam o problema estrutural de uma sociedade patriarcal.
*Ingrid Farias é estagiária do programa de Direitos das Mulheres da ActionAid no Brasil