Com a voz calma, Ana Raquel Santos da Trindade, 31 anos, não conteve o choro ao relembrar o primeiro abuso sexual que sofreu do ex-namorado, Renato Patrick Machado de Menezes, 35, o homem o qual dois anos depois viria a matar com 12 tiros. Ana Raquel foi absolvida pelo assassinato em júri popular nesta quinta-feira, em Florianópolis. Ela conheceu o homem ao buscar emprego em uma clínica de massagens tântricas em Curitiba.
(Diário Catarinense, 17/11/2016 – acesse no site de origem)
— Foi aí que começou o inferno da minha vida. Ele ameaçava meu filho, por isso concordei em me envolver com ele, tinha que trabalhar. Ele brigava porque eu não aceitava fazer programa. Foram dois anos de ameaças, mudei de casa 11 vezes, instalei cerca elétrica, aumentei o portão. Mesmo assim ele ia atrás de mim — respondeu Ana Raquel ao juiz Marcelo Volpato durante o interrogatório.
Em seguida, explicou que durante dois anos tentou se livrar dele e não conseguiu:
— Dias antes (da morte) ele invadiu a minha casa enfurecido e armado, achou que eu estava com um homem e disse que ia me matar. Ele dizia que eu não falava com ele no WhatsApp ou no telefone, que tinha alguém comigo e que isso só ia acabar se um de nós morresse.
O choro de Ana Raquel continuou ao falar sobre o dia do crime:
— Tinha deixado o portão aberto porque esperava a minha mãe. Ele invadiu, começou a conversar, ficou pelado, começou a se masturbar e foi para cima. Dizia que eu era mulher dele, e eu falava que não, que tinha nojo dele e ele falou que ia matar todo mundo dentro de casa. Foi aí que peguei a arma e atirei, comecei a atirar e saí correndo.
Mesmo após os seis tiros, ela recarregou a arma e seguiu atirando em Renato:
— Ele tava caído no chão, disse que ia sumir da minha vida. Falei: “Não Renato, é mentira, faz dois anos que você diz isso. Prefiro ir para a cadeia a ficar contigo de novo”. Então liguei para a polícia. Fiquei 24 dias presa. Ele era bem forte, lutava jiu-jitsu, MMA. Costumava me agredir e duas vezes tentou me esfaquear. Me dizia que já tinha experimentado todas as drogas.
Queixas sem respostas na polícia e no Fórum
O depoimento emocionado de Ana Raquel durou 34 minutos. Ela ainda relatou que procurou a delegacia da mulher pelo menos oito vezes, além da delegacia dos Ingleses e que fez vários boletins de ocorrência contra Renato. Afirmou ainda que antes do crime procurou respostas no Fórum sobre não terem sido aplicadas medidas restritivas ao agressor, mas que não souberam lhe responder.
Conhecido pela atuação dura em tribunais do júri, o promotor Andrey Cunha Amorim provocou novamente o choro de Ana Raquel na sua manifestação aos jurados. Só que desta vez, a ré chorou de alívio ao ouvir do promotor que ele iria pedir aos jurados que a absolvessem.
— A Justiça às vezes está na condenação e outras vezes está na absolvição. Ocorreu uma tragédia com essa moça por um homem que a ameaçava, estuprava, explorava a prostituição ao invés de massagens e tornou a sua vida um inferno. A grande verdade é que o sistema de justiça falhou. Ela foi na polícia, mas depois não lhe foi oferecida medida protetiva — lamentou o promotor.
Ele explicou aos jurados sobre a legítima defesa e considerou que o excesso de tiros (12, sendo que nove acertaram o homem) foi um excesso justificado pelo contexto vivido anteriormente por ela nas mãos do ex.
“A única porta que o Estado abriu a ela foi a prisão”, diz defensora
A defensora pública Fernanda Mambrini Rudolfo leu depoimentos de vizinhos que confirmavam a violência sofrida por Ana Raquel e mensagens enviadas por Renato a ela: “Você é minha, vou ficar te esperando de camarote com o cara”, “Agora é guerra, vou te arrebentar quando te pegar com o cara”, “Ou você fica comigo ou com mais ninguém”, “Vou te pegar quando você menos espera”, “Nunca vou te deixar, aprende isso”.
— A única porta que o Estado abriu a ela foi a da prisão. Ano passado, depois que ele já estava morto, ligaram perguntando se ela queria representar criminalmente contra ele. Se não fosse ele (Renato), certamente seria ela a morrer — disse a defensora.
Para Fernanda, ainda há uma falha e demora muito grande na proteção às mulheres vítimas de violência, além da desigualdade entre homem e mulher na sociedade. A defensora entende que Ana Raquel tem direito a pedir indenização pelo tempo que ficou presa e também pelas medidas restritivas que lhe foram negadas na época. Após a leitura da sentença, Ana Raquel saiu em silêncio e optou por não conversar com jornalistas.
Diogo Vargas