A OMS (Organização Mundial da Saúde) vem sendo duramente criticada por pesquisadores internacionais pela decisão de declarar o fim da emergência global por conta do vírus da zika. Para eles, a medida é um erro e pode “secar” de vez os recursos para as pesquisas sobre o vírus e a microcefalia. No Brasil, a situação de emergência nacional será mantida.
(Folha de S.Paulo, 22/11/2016 – acesse no site de origem)
As verbas já estavam escassas. Neste ano, a OMS só conseguiu receber de doadores internacionais pouco mais de 20% do volume de verbas solicitadas (US$ 25 milhões de US$ 115 milhões). Agora, a expectativa é que os cientistas que trabalhem com o zika tenham de disputar recursos com todas as demais doenças, como a dengue, por exemplo. Ainda não há um cronograma claro para quando uma vacina chegará ao mercado. Especula-se que isso não ocorrerá antes de 2018 ou 2019.
A emergência internacional havia sido anunciada em fevereiro de 2016, quatro meses depois de o governo brasileiro notificar a OMS sobre a crise. Mas muitas questões relacionadas ao zika ainda seguem sem respostas. Por exemplo, não há uma explicação sobre o motivo pelo qual o Brasil registrou um grande no número de microcefalia, especialmente na região Nordeste, enquanto outros locais essa tendência não foi observada.
Para Lawrence Gostin, professor de saúde global na Georgetown University, a decisão da OMS “foi um erro”. “A resposta internacional para o zika foi letárgica e o fato de a OMS ter declarado emergência global, conseguiu mobilizar governos e doadores. Isso pode acabar a partir de agora”, afirmou à NBC News.
Na opinião de Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Contagiosas (EUA), o fim da emergência é “prematuro”, principalmente porque o verão no Brasil está prestes a começar. “Por que não esperaram alguns meses? Será que veremos uma nova onda de casos no Brasil e Colômbia?”, questiona.
Peter Salama, diretor-executivo dos programas de emergência da OMS, sustenta que o zika veio para ficar e que agora entrará na mesma categoria da dengue. “Todos os países que têm circulação do mosquito vetor da doença estão sob risco”, disse.
“Trata-se de uma questão de longo prazo e que exigirá uma adaptação de sistemas de saúde, de pesquisa e até mesmo de direitos reprodutivos”, indicou. “O mundo terá de agir. Esperamos que os doadores entendam”, afirmou.
Segundo ele, os casos vão continuar a se espalhar pelo mundo, onde haja o mosquito, e acredita que os 2,3 mil casos de microcefalia identificados até agora são apenas uma parte da história. “Há muito que precisa ser feito”, admitiu.
Na coletiva em que anunciou o fim da emergência, a OMS garantiu que a medida não “rebaixa” a importância do zika, mas sim, sinaliza que a doença será um problema crônico e que os governos terão de tomar medidas de longo prazo, com programas permanentes. “O zika continua sendo um desafio significativo e duradouro de saúde pública e que exige ação intensa, mas não é mais uma emergência”.
Debora Diniz, professora da UnB (Universidade de Brasília) e integrante da Rede Nacional de Especialistas em Zika e Doenças Correlatas, diz que o anúncio da OMS não significa que a epidemia de zika acabou, ou que não haja mais riscos à saúde das mulheres ou das futuras crianças. “A mensagem não é esta.”
Ela lembra que para um evento de saúde pública levar a OMS a decretar “emergência” é preciso que a doença seja incomum, extraordinária ou desconhecida com graves repercussões para a saúde das populações.
No caso das consequências neurológicas do zika, havia de tudo um pouco, mas especialmente o caráter extraordinário de um arbovírus causando alterações neurológicas em feto. “Dez meses depois do anúncio, a ciência avançou –não temos mais dúvidas de que o zika causa a microcefalia no feto. Há muito mais o que se descobrir, é verdade, mas já sabemos o suficiente para o alerta ser acalmado.”
Para ela, as necessidades das mulheres e das crianças são tão urgentes quanto antes. “Talvez sejam ainda mais dramáticas. O fim do quadro de emergência global pode facilitar governos a relaxaram o que nunca foi verdadeiramente enfrentado como uma consequência terrível da epidemia do zika: é a saúde de mulheres e meninas que deve estar no centro das políticas de saúde. Não há tranquilidade no anúncio da OMS, ao contrário: a síndrome congênita do zika é, agora, uma ameaça permanente à saúde perinatal no Brasil.”