Para participantes, a intolerância está diretamente ligada ao racismo e à predominância da religião judaico-católica, o que impediria o reconhecimento das contribuições dos negros para a formação da sociedade brasileira e o respeito à diversidade
(MPF, 14/12/2016 – acesse no site de origem)
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), realizou no último dia 24 de novembro em Belo Horizonte/MG audiência pública para debater o preconceito e a discriminação praticados contra as religiões afro-brasileiras.
Além de representantes do MPF e do Ministério Público de Minas Gerais, estiveram presentes o secretário de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania do Estado de Minas Gerais, Nilmário Miranda; a gerente da Coordenadoria de Igualdade Racial do Município de Belo Horizonte, Nila Rodrigues Barbosa; a representante do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afrobrasileira, Célia Gonçalves Souza, como também o babalorixá Erisvaldo Santos, o pai de Umbanda Ricardo de Moura e pastores da Igreja Universal do Reino de Deus e da Igreja Batista da Lagoinha, entre outros.
A liberdade de crença e o livre exercício dos cultos religiosos são direitos assegurados pela Constituição de 1988. A liberdade de religião também é garantida no artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 12 do Pacto de São José da Costa Rica e nos artigos 2º, 3º e 4º da Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções.
Apesar do expressivo sincretismo religioso brasileiro, fato é que casos de intolerância e preconceito contra praticantes de religiões afro-brasileiras têm se tornado cada vez mais comuns.
Em Belo Horizonte e municípios da Região Metropolitana, o MPF tem recebido representações com notícia de inúmeros atos de discriminação contra praticantes de religiões afro-brasileiras, tais como depredação de terreiros, destruição de símbolos sagrados para essas religiões e incitamento à intolerância por outras religiões.
Ao abrir a audiência pública, o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Edmundo Antônio Dias, disse que “a enorme discriminação existente contra as religiões de matriz africana é resultado de um preconceito contra tudo o que não é europeu e que não tenha se originado da metrópole, de modo que o negro é vítima desse fenômeno, como também as religiões praticadas originalmente nas colônias africanas e, depois, no Brasil. Há, portanto, uma sobreposição de preconceitos, que faz com que a discriminação contra os praticantes de religiões afro-brasileiras seja das mais agudas que existem no país”.
No mesmo sentido, a professora Ângela de Logum afirmou que, no Brasil, há uma supervalorização das referências judaico-católicas, “que nos impedem de ver e reconhecer as contribuições do continente africano para a sociedade brasileira”.
A promotora de Justiça Coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH), Nívia Monica da Silva, ressaltou a importância da religião para a identidade do sujeito e destacou a relação existente entre o preconceito contra as religiões de matriz africana e o racismo institucional.
O procurador da República Álvaro Ricardo de Souza Cruz também falou sobre as consequências da imposição de uma igreja oficial no país, o que provocou perseguição a outras religiões, que foram tratadas como sub-religiões, bem como sobre a importância da alteridade para a construção de uma sociedade melhor.
Respeito à diversidade – Nilmário Miranda, secretário de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania do Estado de Minas Gerais, iniciou sua fala lembrando que, no Brasil, morrem duas pessoas negras a cada hora, e que o maior desafio dos direitos humanos é garantir o respeito ao diferente, principalmente em um momento de crescimento, em todo o mundo, do discurso do ódio.
A representante do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-brasileira, Célia Gonçalves Souza, ressaltou a importância da audiência pública para se tentar compreender o que motiva o ódio religioso.
Afirmando que “o sagrado de cada um não é superior ao sagrado do outro”, ela lembrou que o respeito à diversidade cultural inclui compreender o significado, por exemplo, dos sacrifícios de animais em rituais de religiões de matriz africana, os quais, na verdade, não são sacrificados, mas sacralizados, sendo posteriormente oferecidos de forma gratuita para alimentar a população.
No mesmo sentido, o babalorixá Erisvaldo Santos destacou que o princípio da laicidade, inscrito na Constituição Federal, garante que todas as igrejas possam conviver, e que o direito à liberdade de opinião não pode permitir a agressão ao outro simplesmente por ele ser diferente.
O pastor Gilberto Souza, da Igreja Batista da Lagoinha, também citou a Constituição, que, em seu artigo 5º, estabelece a inviolabilidade da liberdade de crença. Para ele, “não se pode tolerar de forma alguma a discriminação e o desrespeito”. Sobre os questionamentos que alguns participantes fizeram sobre um vídeo do Pastor Lucinho, em que ele incita o ódio a religiões afro-brasileiras, o pastor Gilberto pediu perdão às pessoas ofendidas pelo vídeo. Garantiu, por fim, que a intolerância religiosa não é pregada na Igreja Batista da Lagoinha.
Ao final da audiência pública, o procurador regional dos Direitos do Cidadão informou que se encontravam em fase de conclusão tratativas conduzidas pelo MPF junto à Prefeitura Municipal de Belo Horizonte para solucionar os problemas causados pelo rompimento da rede pluvial no quarteirão onde está situado o imóvel da Casa de Candomblé Ilê Axé Afonjá Oxeguiri. O rompimento abriu uma enorme cratera exatamente no terreiro onde são celebrados os ritos religiosos, com esgoto correndo a céu aberto, o que impediu as atividades desde janeiro deste ano.
O Termo de Ajustamento de Conduta foi assinado no último dia 6 de dezembro e prevê, entre outras medidas, a reparação dos danos e a construção de uma rede de esgoto no local até julho do ano que vem.