Na corrida pela Presidência da França, a candidata da extrema direita, Marine Le Pen, pode contar com o apoio de um grupo inesperado de eleitores: homossexuais e bissexuais.
(Folha de S.Paulo, 26/02/2017 – acesse no site de origem)
Tradicionalmente aliadas aos partidos de esquerda, as minorias sexuais têm migrado parte de seus votos para a Frente Nacional.
Nas eleições regionais de 2015, a sigla de Le Pen recebeu 32,5% dos votos de casais de pessoas do mesmo sexo -mais do que qualquer outro partido-, contra 29% de apoio de casais heterossexuais, segundo um estudo do Cevipof, ligado à faculdade SciencesPo.
O resultado revela uma evolução expressiva em um intervalo de poucos anos. Em pesquisa de intenção de voto realizada pelo mesmo instituto às vésperas da eleição presidencial de 2012, a candidatura de Le Pen tinha o apoio de 19,5% de pessoas autoidentificadas como homossexuais -ela terminou o pleito com 17,9% dos votos gerais.
Na disputa eleitoral deste ano, Le Pen aparece como favorita nas projeções para o primeiro turno, que será disputado em 23 de abril.
Devido a seu discurso radical, a candidata enfrenta grande rejeição do eleitorado, mas tem chance de ganhar o segundo turno, em 7 de maio, caso consiga atrair eleitores não convencionais para o seu partido. Daí a importância do voto de minorias.
Mas o que explica a crescente adesão de gays, lésbicas e bissexuais -que geralmente expressam visões mais liberais – à plataforma protecionista e xenófoba da Frente Nacional?
Associado ao descontentamento geral da população com o governo do socialista François Hollande, esse fenômeno pode estar relacionado à estratégia de reformulação da imagem do partido implementada a partir da chegada de Marine Le Pen à liderança da sigla, em 2011.
Desde então, a líder populista de 48 anos fez esforços para “desdemonizar” a legenda, buscando livrá-la da pecha de racista e homofóbica herdada do pai de Marine, Jean-Marie Le Pen.
Ele, que tem 83 anos, já classificou a homossexualidade de “anomalia sexual e biológica” e minimizou a dimensão histórica do Holocausto. Acabou sendo expulso, em 2015, do partido político que ajudou a fundar quatro décadas antes.
Uma das pessoas por trás da repaginação da extrema direita francesa é Florian Philippot, 35, vice-presidente de estratégia e comunicação da Frente Nacional.
O braço direito de Le Pen é homossexual e ajudou a redesenhar o programa do partido, abandonando a perseguição aberta contra minorias para se concentrar em pontos como o euroceticismo e a aversão à imigração.
Com isso, conseguiu-se projetar uma imagem mais palatável para eleitores antigamente refratários à Frente Nacional. Atualmente, a sigla conta com vários militantes e candidatos LGBTs.
Philippot nega, contudo, a existência de um “lobby gay” na direção do partido. “A Frente Nacional não é pró-gay, nem o contrário. É somente pró-franceses”, disse ele em 2014 durante entrevista à rádio France Info.
Para Clémence Zamora-Cruz, porta-voz da associação Inter-LGBT, a Frente Nacional defende valores de “ódio e exclusão” que devem ser combatidos.
“Nos últimos anos, a Frente Nacional vem instrumentalizando causas LGBT para colocar pessoas LGBT contra outras minorias”, disse ela à Folha. “O partido manipula o sentimento de insegurança cultural e os medos de algumas minorias, inclusive as pessoas LGBT, em relação à ascensão do islamismo.”