Nesta semana, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) divulgou a lista de livros de literatura que fazem parte da leitura obrigatória para o vestibular de 2019, que será realizado no ano que vem. A relação conta com três novidades, sendo, duas delas, obras de autoria feminina: o livro de poesia “A teus pés” de Ana Cristina Cesar, e o diário de Carolina Maria de Jesus “Quarto de Despejo”.
(iG/Último Segundo, 20/04/2017 – acesse no original)
Como de praxe, a Unicamp pede para que os vestibulandos leiam 12 obras que serão questionadas na prova, e, até este ano, apenas uma autora mulher fazia parte deste quadro, sendo Clarice Lispector, com o conto “Amor”, do livro Laços de Família.
A ampliação no número de escritoras foi vista como um avanço e um ganho para os alunos e alunas que farão o exame. “A inclusão da Ana Cristina Cesar e Maria Carolina de Jesus é fantástica. Acho isso de uma representatividade política enorme”, declara a coordenadora de Linguagens e educadora de Literatura no Curso Mafalda Renata Cristina Pereira.
No caso de Maria Carolina de Jesus , que é mulher, negra, periférica e autora, Renata fala da necessidade desse perfil ser estudado em um dos vestibulares mais importantes do país. “Ela escreve sobre sua vida, sobre o lugar em que vive. O livro versa sobre essa realidade que é a realidade de muitos dos estudantes brasileiros e não podemos ignorar isso”, lembra a educadora.
Quanto à menção de Ana Cristina Cesar na relação da universidade, Renata elogia a iniciativa. “Ter a poesia presente, poesia contemporânea, que durante muito tempo foi marginalizada, ocupando espaço entre os jovens e estudantes só aumenta o repertório deles.”
Para Juliana Gomes que é coordenadora nacional do grupo Leia Mulheres, um clube de leitura que incentiva o contato com obras feitas por mulheres, vê a atitude da instituição como o início de um caminho longo a ser percorrido até a igualdade entre autores homens e mulheres.
“Ainda persiste a ideia de que a produção das mulheres é algo menor, que gira em torno de temas familiares e domésticos. Se as autoras não são lidas por causa dessa ideia, ou seus livros são encarados a partir da perspectiva de que literatura feita por mulher só de vez em quando lida com temas universais, ou as escritoras e acadêmicas são ignoradas ou esquecidas”, analisa Juliana.
Inclusão dos nomes femininos é reflexo da sociedade atual
Outro ponto que não pode ser deixado de lado é que os assuntos trazidos por essas autoras, seja por meio de suas obras ou análise de suas vidas, estão ganhando cada vez mais espaço em discussões sociais, que antes eram abafados ou negligenciados.
Para Renata, o fato dos nomes estarem na lista calha com o período histórico que está sendo presenciado hoje. “Questões que colocam em pauta as minorias, a sexualidade – tendo em vista a bissexualidade de Ana Cristina Cesar -, o movimento negro, o movimento feminista… esses temas tem tudo a ver o momento que estamos vivendo.”
No entanto, a falta de representatividade feminina nas literaturas estudadas nas instituições e exigidas em vestibulares não condiz com a realidade. “Mulheres escrevem também de maneira universal e precisam ser lidas nas escolas e vestibulares”, defende a coordenadora do Leia Mulheres.
Durante muito tempo, mulheres e suas descobertas e criações foram apagadas da história e as consequências desse longo período ainda são refletidas no corpo social. “Na literatura isso não é diferente. O mercado editorial ainda vende muito mais livros escritos por homens e histórias de homens, que falam sobre homens, por exemplo”, complementa Renata.
Anteriormente, alguns nomes consagrados como o de Cecília Meireles, Clarice Lispector ou Rachel de Queiroz já haviam sido, ou são, parte do catálogo de obras estudadas no período escolar, mas mesmo com tantas outras autoras que poderiam facilmente receber o mesmo prestígio, a presença feminina se manteve limitada até então.
Com a repetição das mesmas escritoras, e sem inclusão de novas personalidades, o estudante acaba perdendo repertório, e oportunidade de conhecer diferentes maneiras de escrita, conforme explica a coordenadora de Linguagens do Curso Mafalda. “Estudar Cecília Meireles não quer dizer que não é valido. Mas a poesia dela é totalmente diferente da Ana Cristina Cesar, que ocupa um lugar da marginalidade, pouco explorado até o momento.”
Segundo a educadora, o contato com assuntos diversos na literatura é bastante poderoso, e pode, inclusive, influenciar a maneira como as pessoas agem perante a sociedade. “Eu acredito que a literatura tem papel fundamental no que diz respeito à espirito de alteridade, ou seja, na sua capacidade de se colocar no lugar do outro. Sinto que a literatura exerce esse papel na vida do sujeito que realiza leituras.”
Por Marina Teodoro