O assédio praticado em ambiente de trabalho ganhou destaque na mídia e virou tema de debate nas últimas semanas quando o caso envolvendo uma celebridade se tornou público.
(O Estado de S. Paulo, 24/04/2017 – acesse o site de origem)
A discussão, no entanto, só foi possível porque a vítima fez a denúncia. Mas tomar essa atitude é um tabu para mais de 87% das pessoas que já sofreram assédio moral ou sexual no local de trabalho e não denunciaram.
O porcentual foi identificado por meio de pesquisa realizada com 4.975 usuários do site Vagas.com. O resultado do estudo aponta que 52% dos entrevistados já sofreram assédio moral ou sexual no trabalho.
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“O fato de mais da metade dos participantes terem passado por essa situação chamou a nossa atenção, bem como o número de vítimas que não fizeram denúncia. Isso ocorre, principalmente, por medo de perder o emprego ou sofrer represália. Algumas pessoas afirmaram que não denunciaram por vergonha e receio de acharem que elas eram as responsáveis, demonstrando forte sentimento de culpa”, afirma o coordenador da pesquisa, Rafael Urbano.
Sócio da área trabalhista do Veirano Advogados, José Carlos Wahle diz que esse é um problema recorrente e exige esforço continuado das empresas. Segundo ele, normalmente as companhias têm uma diretriz de conduta que prega que o ambiente de trabalho deve ser livre de qualquer constrangimento e que o tratamento de hierarquia não deve ultrapassar as linhas de respeito. “Só que é preciso fazer treinamento frequente para manter a informação viva na mente dos funcionários.”
Wahle considera que boa parte das companhias tem pouca consciência sobre os problemas que essas tensões no ambiente de trabalho podem causar. “Todas deveriam adotar e garantir a perenidade de suas políticas. Caso contrário, haverá danos à reputação da empresa e com o tempo, ela não conseguirá mais atrair bons profissionais”, ressalta.
84% dos agressores era chefe direto ou ocupava cargo mais alto que a vítima, segundo pesquisa.
74,6% dos denunciantes disseram que o agressor permaneceu na empresa mesmo após queixa
A tipificação de assédio, segundo o advogado e sócio da S2 Consultoria – especializada em prevenir e tratar atos de fraude e de assédio nas organizações –, Renato Almeida dos Santos, só ocorre de cima para baixo.
Poder. “O assédio moral ou sexual é sempre cometido por uma pessoa de nível hierarquicamente superior em relação ao subordinado. Não precisa ser a chefia direta, necessariamente. Mas para ter essa configuração o assediador deve ter uma posição hierárquica superior, porque a base do assédio é o uso do poder. Ele se vale do poder que tem para subjugar a outra pessoa”, diz.
Santos acrescenta que estudos mundiais mostram que 87% das vítimas são mulheres. “É interessante ter isso em mente, porque pouco se fala em assédio sexual sofrido por homens, mas ele também ocorre.” Ele afirma que o comportamento das empresas está evoluindo sobre essa questão, por conta da implantação de áreas de compliance.
“Muita gente pensa que compliance ou programa de integridade estão sempre associados à corrupção. Na verdade, essas áreas dão diretrizes para a empresa agir conforme as regras. Se um funcionário está assediando alguém, está agindo contra essas regras e a equipe de compliance deve intervir.”
Para eliminar esse tipo de agressão do ambiente de trabalho, Wahle afirma que é preciso vigiar e ter canais de diálogo. “O maior problema talvez seja cultural e não tanto legal porque, em geral, há grande receio por parte do trabalhador de fazer uma reclamação e sofrer algum tipo de retaliação.”
Esse tipo de temor faz sentido, uma vez que o resultado da pesquisa realizada pelo site Vagas.com indica que entre os 12,5% que decidiram fazer a denúncia, 20% foram demitidos após a iniciativa, 17,6% sofreram perseguição e 8,6% resolveram levar o caso à Justiça. Sendo que para 39,2% nada mudou após a denúncia.
“Isso ocorre porque o empresariado brasileiro ainda não atingiu um nível de sofisticação de cumprimento das boas normas, que inclui tratar as pessoas de maneira educada, ser respeitoso e não ultrapassar linhas de relacionamentos consensuais”, pondera Wahle.
Segundo Urbano, a sensação de impunidade também se mostrou alta na pesquisa. “74,6% dos entrevistados que fizeram a denúncia disseram que o agressor permaneceu na empresa e apenas 12,1% declararam que ele foi demitido. Os que não sabem o que aconteceu com o agressor somam 11%. Já os que informaram que o agressor pediu demissão somam apenas 2% do grupo dos denunciantes”, afirma.
Defesa. Gestora de capital humano e educação corporativa na Thomas Case & Associados, Marcia Vazquez recomenda que em primeiro lugar, a vítima deixe claro ao assediador que o seu comportamento não é admissível e que o abuso não será permitido, em qualquer hipótese.
“Em segundo lugar, a pessoa deve denunciar, sempre. Ela não pode ficar à espera de uma nova ocorrência, pois o assediador acabará por contar com o silêncio da vítima para persistir no assédio”, afirma.
Márcia diz que a área de recursos humanos das companhias deve ser um canal de recepção e estímulo das denúncias e de real efetivação de ações que coíbam o assediador, especialmente se ele for o superior imediato.
Segundo Santos, o canal de denúncia deve ser seguro e amplamente divulgado. “Quando a pessoa vive essa situação, muitas vezes não percebe que está em situação de vulnerabilidade. Por isso, a intervenção externa é necessária. Caso contrário, o assediador não terá limite, pode mudar o alvo, mas é uma postura retroalimentada.”
Ações de combate
Compliance
Também denominado de programa de integridade, o compliance não está relacionado somente ao combate à corrupção. Ele dá diretrizes para que a empresa possa agir conforme as regras, inclusive em casos envolvendo assédio
Comunicação
Para eliminar esse tipo de agressão do ambiente de trabalho é preciso vigiar e ter canais de diálogo. Empresa deve criar e compartilhar código de ética e conduta, deixando claro que assédio é crime e que não será conivente
Consequência
A omissão da empresa causa danos à sua reputação e, com o tempo, não conseguirá mais atrair bons profissionais
Trauma
Muitas vezes esse tipo de constrangimento desestrutura a vítima, que acaba se tornando incapacitada para o convívio pleno, seja no ambiente profissional ou pessoal. Isso ocorre porque as inseguranças que foram geradas por outrem, são entendidas como nascidas dela própria