Esta pesquisa investiga se as parlamentares do Congresso Nacional efetivamente representam os interesses das mulheres em sua atuação. O estudo busca entender em particular o papel da bancada feminina da Câmara dos Deputados na formulação e aprovação de projetos de lei relacionados à promoção da igualdade de gênero.
(Jornal Nexo, 10/05/2017 – Acesse o site de origem)
Ao se debruçar sobre o conteúdo da representação política das mulheres, a pesquisa vai além do caráter quantitativo da questão, que costuma ser mais estudado. Segundo a autora, quando as experiências femininas entram no espaço da política institucional têm o potencial de politizar a vida privada. Um exemplo disso é a aprovação da Lei Maria da Penha, de 2006, que tornou público um tema que antes era considerado privado: a violência doméstica e familiar contra a mulher.
A qual pergunta a pesquisa responde?
As parlamentares representam os interesses das mulheres? O estudo parte da hipótese, defendida por autoras da teoria política feminista, de que o aumento da representação política feminina nas instituições legislativas teria como consequência a formulação de mais e melhores políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade de gênero.
Por que isso é relevante?
O século 20 foi marcado por uma contradição no que diz respeito à conquista da igualdade de gênero: por um lado, direitos políticos e civis foram alcançados pelas mulheres, como, por exemplo, o direito ao voto e o acesso ao ensino superior; por outro, a ocupação de cargos representativos nas instâncias legislativas e executivas ainda continua sendo um campo de difícil acesso para a população feminina. Nesse sentido, as pesquisas empíricas sobre a representação política das mulheres têm se dedicado com maior empenho à dimensão da representação descritiva, ou seja, à análise dos mecanismos de exclusão e à sugestão de alternativas para aumentar a quantidade de mulheres nos parlamentos. Um número menor de trabalhos tem se debruçado sobre a análise da representação substantiva das mulheres, cujo foco é o conteúdo da representação. Ao abordar o tema da representação política substantiva das mulheres no Brasil, este trabalho contribui para o preenchimento de uma lacuna da literatura.
Resumo da pesquisa
Esta pesquisa possui propósito duplo: um teórico e outro empíricodescritivo. No plano da teoria política, a pesquisa se propõe a contribuir para o debate sobre a representação política feminina, com base na análise de caso do Congresso Nacional brasileiro, sob a perspectiva da representação substantiva. O segundo objetivo, de teor empíricodescritivo, é entender o papel da bancada feminina da Câmara dos Deputados na formulação e aprovação de projetos de lei relacionados à promoção da igualdade de gênero. Ao final, será apresentada uma tipologia que permitirá a classificação de proposições legislativas relacionadas à igualdade de gênero.
Quais foram as conclusões?
É importante que haja mulheres nos parlamentos para que elas promovam a representação substantiva dos interesses de outras mulheres. Ou seja, a chamada “política da presença” pode promover a representação substantiva das mulheres. No entanto, apenas ser mulher não é suficiente. Parlamentares que têm sua trajetória vinculada a partidos de esquerda e movimentos feministas têm maior comprometimento com as demandas feministas. Além disso, a divisão entre público e privado derivada do liberalismo clássico se manifesta na atuação das parlamentares na forma de estereótipos de gênero. No entanto, a diferenciação feita entre “hard politics” e “soft politics” pode ocultar o fato de que as experiências das mulheres quando adentram o espaço da política institucional podem politizar a vida privada. Isso quer dizer que a representação substantiva das perspectivas sociais das mulheres tem como consequência uma atuação diferenciada que não é somente “soft”. No caso da aprovação da Lei Maria da Penha, por exemplo, ao tornar público um assunto que antes era considerado privado, ocorreu uma reorganização das prioridades políticas. Dessa forma, a inclusão das mulheres nos parlamentos pode ir além dos estereótipos de gênero e possibilitar novas potencialidades de atuação política.
Quem deveria conhecer seus resultados?
Os resultados desta pesquisa deveriam ser conhecidos não apenas pela bancada feminina do Congresso Nacional, como por todos os parlamentares. Além disso, militantes dos movimentos feministas poderiam obter informações relevantes sobre como atuar em sua interação com o Legislativo para que suas demandas fossem atendidas. O atual contexto político brasileiro e mundial não nos deixa muito otimistas com relação às possibilidades de representação política das perspectivas sociais dos grupos marginalizados. Por outro lado, as mobilizações dos movimentos sociais e, mais especificamente, dos movimentos feministas, contra o status quo mostram que as disputas políticas não ocorrem somente no âmbito da política institucional. Olhar para essas outras formas de se fazer política é necessário para que possamos enxergar um horizonte possível de transformação social nessa conjuntura.
Beatriz Rodrigues Sanchez é doutoranda e mestra em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo). É formada em Relações Internacionais pela mesma universidade. É pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política da USP e do Núcleo Democracia e Ação Coletiva do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).