Transmitido pelo mosquito Aedes aegypti e identificado no Brasil desde 2014, o vírus da zika se tornou uma preocupação central de saúde pública no final de 2015. Pesquisadores brasileiros identificaram uma relação entre o vírus da zika e a microcefalia em bebês.
(Nexo Jornal, 14/05/2017 – Acesse o site de origem)
As evidências de que o vírus não é responsável apenas por febres, dores no corpo e olhos avermelhados, mas pelo crescimento abaixo do normal do cérebro de bebês de mulheres infectadas na gestação deixaram profissionais de saúde, governos e organizações como a OMS (Organização Mundial de Saúde) em alerta.
Casos de febre por zika passaram a ser monitorados de perto pelo Ministério da Saúde e o vírus causou apreensão entre quem desejava ter filhos. O noticiário internacional o tratava como um fator que poderia transformar a Olimpíada do Rio em um desastre, ao lado de outros problemas nacionais como a Baía da Guanabara poluída, atraso nas obras e violência. Alguns pesquisadores da área de saúde chegaram a pedir que o evento fosse adiado ou realocado.
MOSQUITO AEDES AEGYPTI, TRANSMISSOR DA DENGUE, CHIKUNGUNYA E ZIKA VÍRUS/FOTO: REPRODUÇÃO/SANOFI PASTEUR
O primeiro semestre de 2017 parece trazer a reversão desse quadro. Segundo dados do Ministério da Saúde referentes ao primeiro dia do ano até 15 de abril de 2017, o número de casos de febre por zika caiu 95,4% comparado com o mesmo período de 2016. Casos de dengue e febre por chikungunya, outras duas doenças graves transmitidas pelo Aedes aegypti, também caíram: 90,4% e 68% respectivamente.
DOENÇAS TRANSMITIDAS PELO AEDES AEGYPTI DESPENCAM/FOTO: ARTE NEXO
O Nexo conversou com Denise Valle, que pesquisa doenças transmitidas pelo Aedes no Instituto Oswaldo Cruz, para entender o que levou à melhora geral do quadro.
Ela afirma que o recuo das epidemias não é crédito apenas de ações do governo para barrar o mosquito, mas resultado de um ciclo natural de aumento e queda dessas doenças. Isso ocorre porque, conforme parte da população é infectada, ela desenvolve defesas. “Se você olhar para o país inteiro, você vê que as crises de dengue, por exemplo, são cíclicas. Você tem uma epidemia e passa um a dois anos sem ter outra.”
Há, no entanto, nuances nesse quadro. Apesar da queda em números totais no Brasil, casos de chikungunya continuam crescendo de forma localizada no Sudeste, Centro-Oeste e Norte. Veja o que explica a melhora geral do quadro e por que a chikungunya preocupa.
Combate ao Aedes: diminuição das chuvas e ‘susto’ da zika
Para Valle, o combate ao Aedes aegypti foi beneficiado por dois fatores: de um lado, houve a diminuição das chuvas no Brasil em comparação com o ano anterior. Com menos água, houve menos pontos de acúmulo, onde o mosquito se reproduz. A única região em que choveu mais do que em 2016 foi a Norte.
CHUVAS DIMINUEM NA MAIOR PARTE DO PAÍS
Além disso, a pesquisadora avalia que, por ser uma novidade e afetar a gestação de mulheres, a crise do zika serviu como um “susto” para a população e o poder público.
“Vemos epidemias de dengue há cerca de 30 anos e ficamos refratários a ouvir falar sobre a doença. Com o zika, realmente saímos da zona de conforto, ficou clara a importância do controle doméstico do mosquito, e acredito que houve uma reação mais forte do poder público e da esfera privada”
Denise Valle
Instituto Oswaldo Cruz, em entrevista ao Nexo
Em paralelo, é provável que a população como um todo também tenha se tornado mais resistente aos vírus.
Resistência aos vírus: a ‘imunidade de rebanho’
Em julho de 2016, um estudo publicado na revista “Science” previu que a epidemia de zika na América Latina acabaria até o final de 2017. Isso não ocorreria devido a medidas de combate ao Aedes aegypti ou à descoberta de uma vacina, mas a um fenômeno cíclico bastante conhecido pela medicina: a “imunidade de rebanho”.
Ele diz respeito à maneira como, quando indivíduos são infectados por um vírus e sobrevivem, seu corpo mantém defesas naturais contra ele. Conforme um grande número de pessoas de uma população é infectado e sobrevive, sobra uma proporção menor da população vulnerável a ele.
Dessa forma, o processo de propagação da doença como um todo é prejudicado: apesar de continuar a haver pessoas vulneráveis, há uma chance maior de que um mosquito infectado pique alguém imune, o que diminui a velocidade de propagação de um vírus. Quem se torna imune serve de proteção para o resto das pessoas.
Segundo Denise Valle, esse ciclo contribui tanto para a diminuição de casos de febre por zika e chikungunya quanto para a dengue. É possível que a zika esteja declinando no Brasil devido a esse fator, como previram os pesquisadores em 2016. No caso desta doença e da chikungunya, adoecer uma vez significa imunidade para o resto da vida.
O caso da dengue é particular porque há quatro espécies do vírus que causa a doença. Quem adoece de uma dessas espécies se torna imune a ela para toda a vida, mas apenas por um período limitado às outras três. Durante a vida toda, uma pessoa pode, portanto, adoecer quatro vezes por dengue.
A imunidade temporária ocorre porque uma quantidade alta de anticorpos permanece circulando por um período de cerca de um ano no corpo de quem contraiu o vírus e teve a doença. Por um prazo limitado, esse fator também contribui para a “imunidade de rebanho”, já que significa menos gente suscetível ao vírus.
O fim de um ciclo de epidemia não significa, no entanto, que o perigo de novas crises de dengue, zika ou chikungunya seja afastado para sempre de uma população. A pesquisa publicada na “Science” em julho de 2016 avalia que um novo surto de zika deve voltar a ocorrer após dez anos.
Isso porque a maioria das pessoas que nascerem dentro desse período não terá tido nenhum contato com o vírus. Ao mesmo tempo, parte das pessoas que tiveram contato e se tornaram imunes morrerá. O resultado: haverá na população uma proporção maior de gente vulnerável ao zika. A imunidade de rebanho se dilui, abrindo espaço para novas epidemias.
Diminuição não ocorreu de maneira uniforme
É importante ressaltar que, apesar de os casos de suspeita de dengue e zika terem caído em todas as regiões no país, o mesmo não ocorreu no caso da chikungunya. Em números totais as suspeitas da doença caíram, mas Norte, Sudeste e Centro-Oeste tiveram alta de casos.
A imunidade de rebanho é um fator que ajuda a explicar essa diferença: a chikungunya chegou antes no Nordeste, por isso uma parcela maior da população de lá já desenvolveu imunidade a ela. A doença é mais recente, no entanto, em outras regiões, o que torna suas populações mais vulneráveis, afirma Valle.
Isso é preocupante porque a chikungunya é particularmente grave. Ela pode resultar em fraqueza muscular por longos períodos. “Já tem relatos de pessoas que tiveram chikungunya e perderam a independência por um e até dois anos, sem conseguir se mexer ou pegar em um volante. Imagina ficar sem poder fazer nada sozinho, isso pode levar à depressão”, diz a pesquisadora.
Ela destaca que a alternativa a deixar que pessoas adoeçam para que a “imunidade de rebanho” seja atingida e a epidemia diminua é a mesma de sempre: combater o mosquito.
CHIKUNGUNYA TEM ALTA NO NORTE, SUDESTE E CENTRO-OESTE FOTO: ARTE NEXO
ZIKA E DENGUE TÊM QUEDAS GENERALIZADAS FOTO: ARTE NEXO