(Folha de S.Paulo) “Chama a atenção, no entanto, o fato de nenhuma mulher ter sido escolhida para receber condecoração tão importante, rara e, por isso mesmo, de grande valor simbólico. (…) Mesmo que uma mulher tenha chegado ao mais alto posto da República, é desolador ver que mesmo ela tem que se curvar às formas desiguais de como o poder está distribuído no interior da comunidade acadêmica”, escrevem os professores Luciano Mendes de Faria Filho e Eliane Marta Santos Teixeira Lopes, da Universidade Federal de Minas Gerais, ao comentar a entrega do Prêmio Anísio Teixeira pela presidenta Dilma Rousseff a cinco pesquisadores brasileiros. Leia o artigo na íntegra:
“Em cerimônia bastante concorrida, no dia 11 de julho, a presidente Dilma Rousseff entregou a cinco pesquisadores brasileiros o Prêmio Anísio Teixeira. A solenidade faz parte das comemorações dos 60 anos da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
O prêmio, segundo o site da instituição, que a cada cinco anos escolhe os agraciados, “é uma homenagem ao educador Anísio Teixeira, intelectual baiano que difundiu o papel transformador da educação e da escola para a construção de sociedade moderna e democrática”.
Todos os escolhidos, a saber, Álvaro Toubes Prata (engenharia), Fernando Galembeck (química), João Fernando Gomes de Oliveira (engenharia), Luiz Bevilacqua (engenharia) e Nelson Maculan Filho (engenharia) são cientistas de grande destaque em suas áreas de atuação e nas comunidades científicas nacional e internacional.
Chama a atenção, no entanto, o fato de nenhuma mulher ter sido escolhida para receber condecoração tão importante, rara e, por isso mesmo, de grande valor simbólico.
É evidente que a premiação aludida é apenas a forma como, neste momento, tais desigualdades vêm a público; ela é, por assim dizer, a ponta do iceberg.
Afinal, não é do desconhecimento dos cientistas de diversas áreas que as mulheres estão longe de alcançar em postos de comando de agências de fomento, em comitês assessores e nas reitorias de universidades a mesma presença que têm na produção científica nacional.
Ou seja, mesmo que uma mulher tenha chegado ao mais alto posto da República, é desolador ver que mesmo ela tem que se curvar às formas desiguais de como o poder está distribuído no interior da comunidade acadêmica.
A esse respeito, podemos estar enganados, mas, assistindo à cerimônia pela TV, foi visível a surpresa da presidente quando viu que só aqueles cinco seriam os agraciados! Será que ela esperava que houvesse mulheres entre eles? Talvez.
Porém, apesar de ser uma homenagem a Anísio Teixeira -intelectual que se notabilizou como defensor da importância da escola básica para o desenvolvimento do país- e de a importância da escola básica ter tido destaque na cerimônia, inclusive porque a Capes tem, agora, importantes responsabilidades com esse nível da educação, soa muito estranho que nenhum pesquisador ou pesquisadora tenha sido escolhido por sua contribuição à educação pública, oferecida à imensa maioria da população.
Note-se, do mesmo modo, que nenhum pesquisador da área de humanidades foi agraciado.
Mais uma vez, a opção foi por privilegiar aqueles que, de forma reconhecidamente competente, diga-se de passagem, contribuíram com o ensino superior e com a pós-graduação. Isso não é pouco, mas, convenhamos, não faz justiça a todo o legado anisiano.
Considerando o valor simbólico do prêmio como um reconhecimento não apenas ao agraciado mas também à sua área de atuação e contribuição, o esquecimento dos pesquisadores que, por meio de suas pesquisas em diversas áreas do conhecimento, contribuem para a melhoria da escola básica soa estranho, sobretudo no momento em que a Capes se esforça para estruturar ações estratégicas na área da educação pública.
LUCIANO MENDES DE FARIA FILHO é professor associado da UFMG e coordenador do projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822/2022. Foi coordenador do Comitê de Assessoramento de Educação do CNPq.
ELIANE MARTA SANTOS TEIXEIRA LOPES, professora titular aposentada da UFMG, é pesquisadora de história da educação e relações de gênero.”
Veja também: 29/07/2011 – Mulheres na Ciência 2011 anuncia vencedoras (AgFapesp)