Na próxima sexta-feira 2, as mulheres negras da cidade de São Paulo estarão irmanadas no centro da cidade, na Alameda Nothmann, 1058, a partir das 18h30, na Marcha das Mulheres Negras.
(Carta Capital, 02/06/2017 – acesse no site de origem)
O evento marca o início de um novo momento de organização da marcha, que vem construindo e incidindo de maneira contínua na luta negra e feminista. Convidamos todas as mulheres negras a participarem do evento (mais detalhes aqui)
Recentemente, acompanhamos em São Paulo a ação criminosa da prefeitura e do governo do estado na região da Cracolândia. A guerra às drogas é mais uma faceta do genocídio do povo negro e a higienização da cidade tem forte caráter racial e de criminalização da pobreza.
Em momentos de recrudescimento dos ataques à população negra, a maioria em situação de miserabilidade, é preciso se aquilombar.
Abaixo, a carta pública escrita pelo coletivo que congrega cerca de 50 entidades do campo progressista e mulheres negras autônomas, que aborda esse e outros motivos que impõe a necessidade de uma ação coletiva e efetiva de combate às desigualdades pautadas no racismo, no machismo e no elitismo.
Por Djamila Ribeiro
Marcha das Mulheres Negras: Um novo passo na caminhada contra o racismo, o machismo, a violência e pelo bem viver
Por Marcha das Mulheres Negras de São Paulo
“Nós, mulheres negras, temos participado dos grandes momentos da luta antirracista em nosso país. Em 2015, passados vinte anos do reconhecimento de Zumbi dos Palmares e da morte da grande liderança feminina negra Lélia Gonzalez, as mulheres negras brasileiras tomaram para si a ação política sob a forma de presença organizada nas ruas.
E no dia 18 de novembro de 2015 realizamos, em Brasília, a Marcha das Mulheres Negras – Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver, que reuniu cerca de 50 mil mulheres negras de todos os recantos do Brasil.
A organização das mulheres negras de São Paulo para a Marcha resultou numa ampla mobilização de mulheres negras, organizadas em entidades e movimentos, ou não. Graças a essa mobilização, foi possível levar a Brasília uma grande delegação, nos somando assim a este importante momento da luta negra e feminista.
Entretanto, essa demonstração de força organizativa não foi capaz de barrar o retrocesso em relação a conquistas históricas dos movimentos sociais negros e feministas, com o desmonte, no primeiro semestre de 2016, da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e da Secretaria de Política para Mulheres (SPM).
O advento do golpe no Brasil pela direita, com apoio dos fundamentalistas, aprofundou ainda mais o processo de retirada de direitos, que atinge mais diretamente as mulheres negras, indígenas e afro-indígenas, imigrantes e refugiadas.
O desmonte completo da Secretaria de Política para Mulheres, da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e o esvaziamento de função do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do Ministério da Saúde são algumas das ações que demonstram a falta de compromisso dos golpistas com as pautas e políticas públicas relacionadas ao combate ao racismo e ao machismo.
Não à toa o Brasil acaba de ser execrado na Revisão Periódica da ONU devido à manutenção das desigualdades estruturais entre brancos e negros.
Após a marcha de Brasília, nós, milhares de mulheres negras, entendemos que o nosso papel é continuarmos juntas, por compreendermos o potencial transformador da união de diferentes mulheres negras, de segmentos diversos, com grande acúmulo de força política.
Percebemos a incidência necessária que poderíamos fazer em prol das mulheres negras junto ao próprio Movimento Negro e ao Movimento de Mulheres.
Mesmo entendendo que o Núcleo Impulsor Nacional da Marcha das Mulheres Negras foi desfeito após atingir seu propósito de construção da marcha, nós, em São Paulo, continuamos unidas e realizamos diversos atos somando às lutas das mulheres e dos movimentos populares.
Em São Paulo, por exemplo, mais de 3 mil mulheres negras ocuparam as ruas do centro no dia 25 de julho de 2016 denunciando o racismo e machismo existentes na política e também nos colocando na rua contra o governo Temer.
Em momento de intensa polarização política e falta de consenso, inclusive no campo da esquerda, nós, mulheres negras, seguimos juntas incidindo em todos os processos que consideramos necessários, construindo um processo de unidade política respeitando a nossa diversidade de posições e em cima de pautas que nos afetam cotidianamente.
Seguimos também em solidariedade às mulheres indígenas e quilombolas que lutam cotidianamente pela demarcação de suas terras, e às migrantes, imigrantes e refugiadas que engrossam cada vez mais o coro por um mundo sem fronteiras, exploração, machismo e racismo.
Por fim, o cenário político atual nos mostra a necessidade de repactuarmos nossa composição a fim de engrossarmos nosso peso político e a disputa de narrativas com o conservadorismo machista, racista, lesbofóbico e transfóbico crescente e a forte cooptação de negros.
Em São Paulo, depois de mais de duas décadas de governos tucanos, a legislação de cotas ainda é negada nas universidades estaduais e a polícia é uma das que mais mata a juventude preta e periférica no país.
E, na capital, vivemos a intensificação dos ataques ao nosso povo com a criminalização das lutas e movimentos sociais, das religiões de matriz africana e da cultura popular (a exemplo do grafite e da expulsão do samba da biblioteca Mário de Andrade), somados ao desmonte das políticas de educação e saúde com a suspensão do leite e transporte escolar, privatização das farmácias das UBSs, ataque à população em situação de rua e de vulnerabilidade psicossocial.
Assim, convidamos para se somarem a nós todas as mulheres pretas, organizadas ou não, todas as entidades mistas, partidos políticos com projeto progressista, coletivos preocupados com a luta antirracista, anti-machista e com a luta de classes que demarca lugar especialmente cruel para nós, mulheres negras periféricas.
Ressaltamos aqui que a Marcha das Mulheres Negras de São Paulo, como agora vamos nos referir ao nosso coletivo, é um espaço suprapartidário, suprarreligioso de construção horizontal, não vinculado a nenhuma organização ou governo, autônomo e independente, que propõe um retorno à unicidade da luta negra e feminista.
A Marcha só cumpre verdadeiramente seu papel quando sua construção consegue superar a segmentação por vertentes, entidades e grupos tão comuns no movimento social (negro, de mulheres etc.), que muitas vezes nos enfraquece.
Somos jovens, adultas, idosas, heterossexuais, lésbicas, transexuais, travestis, bissexuais, mulheres com deficiência, das favelas, subúrbios, sem-teto, trabalhadoras domésticas, prostitutas, artistas, empreendedoras, intelectuais, mães, artesãs, quilombolas, catadoras de materiais recicláveis, trabalhadoras da saúde, educadoras, religiosas de matrizes africanas, pastoras evangélicas, agentes pastorais católicas, mães de crianças assassinadas, estudantes, comunicadoras, e muitas mais.
Convidamos todas a lerem outros documentos que demarcam nosso lugar político, como o lançado neste 8 de março e o Manifesto da Marcha das Mulheres Negras de 2016.