Valmira Costa, usuária do Sistema Único de Saúde (SUS), relatou, em audiência pública na Procuradoria Especial da Mulher do Senado, nesta quinta-feira (22), sua saga para tratar um câncer de mama no sistema público de saúde. O tema da audiência mensal da procuradoria foi o racismo institucional no atendimento à mulher na área de saúde.
(Senado Notícias, 22/06/2017 – acesse no site de origem)
– Como mulher, negra e pobre, senti na pele tudo isso o que vocês já mencionaram. Minha saga começou no dia 15 de janeiro, mas eu só consegui fazer a cirurgia no dia 22 de novembro. A cirurgia já tinha sido marcada e desmarcada três vezes – desabafou Valmira, sustentando que sua luta contra o câncer se tornou, na verdade, uma luta pela vida, que teve início 2004.
O drama se estendeu por mais quatro ou cinco anos, informou Valmira, tempo que ela levou para fazer a cirurgia de reconstituição mamária.
– Eu não tinha mais paz, pela deformidade. Você não se enxerga como mulher quando falta um pedaço seu – disse Valmira.
A falta de atendimento humanizado para as mulheres negras nos serviços de saúde foi corroborado pela representante da Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Igualdade Racial, Gabriela Cruz. No seu ponto de vista, a mudança nessa abordagem depende da capacitação continuada dos profissionais de saúde, já desde sua formação.
– Às vezes, as mulheres negras acabam buscando em sua ancestralidade, nos espaços de terreiro, a cura para males em sua saúde física e mental – disse Gabriela.
Lacunas no preparo do profissional de saúde não foram o único gargalo de atendimento apontado pela representante do Departamento de Atenção à Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Juliana Silva Gama. Além de assinalar que essa formação não leva em conta o trabalho em um contexto de diversidade racial e cultural, a técnica se queixou do despreparo da estrutura hospitalar para receber esses pacientes.
– É preciso considerar também o que cada cultura recomenda em cuidados de saúde – afirmou Juliana, revelando que algumas mulheres índias, quando vão dar a luz, precisam levar para o hospital outros filhos e até tradutor, por não falarem português.
Após revelar que o índice de mortalidade materna lidera entre as mulheres negras (60%), a promotora do Ministério Público do Distrito Federal Liz-Elainne de Silvério atrelou a perpetuação do racismo institucional à falta de representatividade de etnias minoritárias, como ainda indígenas e ciganos, nos espaços decisórios de poder.
De acordo com a promotora, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) já editou recomendação sobre a necessidade de criação, pelo Ministério Público, de organismos para enfrentar as manifestações de desigualdade em diversas esferas institucionais.
A procuradora especial da mulher do Senado, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), foi veemente ao afirmar que ninguém pode ser tratado de forma diferenciada.
– Isso vai contra todas as convenções internacionais e contra a Constituição – acrescentou a parlamentar.
O evento contou com a participação ainda da presidente do Fórum de Mulheres do Mercosul, a ex-senadora Emília Fernandes (RS), que trouxe a denúncia e revelou o temor de extinção do Conselho Nacional de Direitos Humanos.