A população negra ainda sofre com ataques racistas no dia a dia. São histórias de agressão no transporte, no trabalho e no esporte.
(Profissão Repórter, 19/07/2017 – acesse no site de origem)
A população negra ainda sofre com ataques racistas no dia a dia. São histórias de agressão que acontecem no transporte público, no trabalho, nas tarefas diárias e no esporte.
O goleiro Aranha, um dos principais ídolos da Ponte Preta, foi vítima de um caso de racismo que teve muita repercussão e marcou sua carreira. Em 2014, quando era goleiro do Santos, integrantes da torcida do Grêmio o chamaram de macaco. Na ocasião, o time foi excluído da Copa do Brasil e condenado a pagar multa de R$ 50 mil. Para o jogador, esse fato marcou sua carreira: “Hoje, infelizmente, quando alguém pesquisa sobre goleiro Aranha, aparece, imagens, vídeos e matérias sobre esse assunto”.
Ainda hoje, Aranha sofre com ataques racistas. Recentemente, depois de um jogo contra o Bahia, pelo menos dois torcedores publicaram ofensas racistas contra ele. Um dizia: “Aranha preto, tem que voltar pra senzala”. O outro: “macaco volta pra jaula, preto gorila”. “Às vezes, na internet, o pessoal tá meio escondido ou acha que tá escondido atrás de um perfil falso, se sente seguro atrás de uma tela de computador”, afirma o goleiro.
Em 2014, Aranha ganhou um prêmio da Secretaria de Direitos Humanos, que reconheceu a coragem do goleiro para enfrentar o preconceito e denunciar os atos de racismos dentro do futebol: “Esse é o meu troféu mais importante. Antes do dinheiro, antes da fama, antes de qualquer coisa, vem a humanidade, por isso esse prêmio é o mais importante”. No vídeo acima, o atleta conta mais sobre os vários episódios de racismo que já passou.
Violência no dia a dia
Imagens de celular mostram os irmãos Denis e Danilo Evangelista sendo arrastados por policiais ferroviários e seguranças que trabalham na estação Barra Funda da CPTM, em São Paulo. A confusão começou por volta das 22h, depois que Denis tentou usar o banheiro da estação, que já estava fechado: “Eu expliquei que estava muito apertado, que precisava ir ao banheiro e eles falaram que não tinham a chave. Só que começou a sair gente do banheiro e eu questionei. Ele falou: ‘sai fora macaco’. Nisso começou a chegar mais policiais, que foram agressivos”.
O gerente de segurança da CPTM, Iran Figueiredo, se defende: “Essa ocorrência começou com o Denis procurando usar o banheiro da estação, que já estava fechado. Ele voltou, provocou os agentes e começou a falar impropérios para os agentes. Então, ele foi abordado e a abordagem é que gerou todo esse problema. Na medida em que ele se nega e fisicamente se opõe ao agente, o agente é obrigado a usar também de meios físicos pra dominação”.
No boletim de ocorrência, os agentes da CPTM e os policiais ferroviários são acusados de levar os irmãos para uma sala, onde Denis teria sido agredido. Dois agentes foram afastados. A CPTM se negou a disponibilizar as imagens das câmeras de segurança.
Em outro caso, o comerciante Luis Henrique da Silva conta que foi vítima de injúria racial dentro de um supermercado, na Zona Norte de São Paulo, no dia 22 de abril: “Eu me dirigi ao caixa e tinha uma senhora na minha frente. Ela falou que eu bati o carrinho na perna dela. Eu pedi desculpa. Ela falou baixinho pra menina do caixa, mas alto pra eu escutar: ‘Além de preto, é corintiano’. Ela terminou de colocar as coisas dela no caixa e na sequência virou me chamando de preto, de macaco, de filho daquilo, de bandido, de ladrão”.
Karina Camerlengo testemunhou o caso e ouviu xingamentos: “Ela chamou ele de preto e depois o xingou. Eu vi o Luis pedindo desculpas o tempo todo, em momento nenhum ele a ofendeu”. Luis sofreu muito depois do episódio: “Toda vez que eu venho aqui, eu lembro da situação, da cena. Isso mexeu com o meu psicológico por um tempo, se eu não tivesse amigos e familiares, eu não sei como eu estaria. Se eu não tivesse o meu filhinho de dois anos, eu não estaria aqui para contar isso pra vocês”.
As imagens entregues pela polícia ao Ministério Público não mostram a confusão em frente ao caixa. A mulher que fez as agressões alega ter problemas psiquiátricos. O advogado dela diz que o laudo médico deve inocentar sua cliente.
Crimes raciais na internet
A modelo Nérida Cocamaro tem 25 anosa e é filha imigrantes da Guiné-Bissau, na África: “Ninguém nunca fala explicitamente: ‘a gente não quer trabalhar com você por conta da cor da sua pele’, mas eu percebo que o tratamento comigo é diferente pelo meu tom de pele. São coisa que a gente tem que quebrar todos os dias”.
Seu último trabalho comercial foi publicado há dois meses na internet. A iluminação das fotos deu mais destaque à roupa do que aos modelos e ela se ofendeu com os comentários que considerou racistas: “Eu e mais quatro modelos fizemos o trabalho e assim que eles postaram as fotos, começou a surgir alguns comentários. Como, por exemplo: ‘não consegui enxergar nada, eu consegui ver a roupa e o fundo, a roupa é flutuante’. Pra uma pessoa que é branca, não significa nada. Só que pra mim, pela vivência que eu tenho, pelas experiências, aquilo ali significa muito”.
Uma ONG especializada em crimes virtuais registrou em 2016, no Brasil, mais de 35 mil denúncias relacionadas a crimes raciais na internet. Desses casos, 66% foram postados no Facebook. “Por isso que eles usam a internet, porque eles acham que estão protegidos de algum tipo de punição”, opina Nérida, que denunciou o caso no Ministério Público. O caso dela foi encaminhado para o Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos.
Após os ataques terroristas em Manchester, na Inglaterra, no dia 22 de maio, uma internauta fez um post lamentando que o ataque não tinha acontecido na Bahia, onde teria gente “nojenta e escurinha”. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público. No vídeo abaixo, a promotora de Justiça, Lívia Maria Vaz, que cuida do caso, fala sobre o andamento do processo: