Era pra ser um crime de repercussão nacional. Era. Passou desapercebido, sem alardes. Em 27 de agosto de 2016, a polícia encontrou o corpo carbonizado da jovem Katyane Campos de Góis, de 26 anos. A vítima estava nua, tinha sinais de estrangulamento e abuso sexual. Foi jogada numa área nobre de Brasília: o Teatro Nacional Claudio Santoro, abandonado pelo poder público numa reforma a perder de vista.
(Metrópoles, 12/09/2017 – acesse no site de origem)
A região, no coração do Plano Piloto, tornou-se foco de viciados em crack, sem policiamento algum. Apressadamente, associaram Katyane a uma moradora de rua e usuária de drogas. No Brasil, a vida vale pouco para humanos em situação de rua e de vício. O que diante da brutalidade do crime em nada minimizaria o caso. A mulher, no entanto, não era viciada, tinha residência em Santa Maria e uma vida cheia de planos e esperanças. Mesmo assim, prossegue o silêncio. Por quê?
A jovem, de 26 anos, tinha saído de Santa Maria para uma entrevista de trabalho no Guará quando supostamente aceitou uma carona. Para amigos, foi sequestrada. Era uma mulher negra, lésbica e periférica. No Brasil, a vida vale pouco para humanas negras, lésbicas e periférica. A morte de Katyane é um retrato de quanto vale um corpo vilipendiado de uma mulher negra, lésbica e periférica.
Katyane foi torturada, violentada e morta às vésperas do Dia Nacional da Visibilidade Lésbica (comemorado em 29/8). Em sua devida proporção, o crime se assemelha, em coincidência histórica, ao assassinato monstruoso do índio Galdino, queimado vivo às véspera do dia 19 de abril (Dia do Índio). De nada adiantou, a triste aproximação. A morte de Katyane continua tão invisível quanto antes.
A tentativa imediata de associar à morte de Katyane a acerto de drogas escamoteia a grande possibilidade de ela ter sido morta por lesbofeminicídio (assassinato de ódio à mulher lésbica). É essa bandeira que movimentos lésbicos levantam Brasil afora sobre o crime. Um ano depois, não há anúncio de suspeitos nem solução sobre o caso. O silêncio significa muito para a militância, para amigos e familiares que clamam por justiça.
“Crime de ódio. Machismo. Racismo. Lesbofobia. Assim foi o feminicídio (lesbocídio) racista de Katiane. Desumanização de Katiane nas notícias de jornais. Silêncio social sobre seu assassinato com requintes de crueldade.”
Nota do Cortuno de Vênus
Representante da Associação Feminista de Brasília Coturno de Vênus, Ana Cláudia Beserra Macedo levou o assassinado de Katyane ao Congresso Nacional, quando discursou sobre o assassinato da jovem.
Quando completou um ano de morte, amigos foram fazer vigília no local onde o corpo foi encontrado. Nas redes sociais, a página Justiça para Katyane (Facebook) organiza atos e tenta não deixar o crime cair no vão do esquecimento.
“Minha luta é diária e eu jamais vou desistir para que paguem o que fizeram com você.“
Há ainda um movimento para transformar o dia da morte de Katyane (26/8) na data símbolo do Enfretamento ao Lesbofeminicídio no DF, com uma petição on-line (clique aqui para assinar).
Katyane era uma jovem que adorava cantar, vaidosa, de cabelos mutantes, às vezes vermelho, às vezes de tons castanhos, e cativava todos pelo humor e jovialidade. Desde cedo, por problemas familiares, precisou ser independente, sair de casa. Os amigos eram a família de Katyane. Ela adorava reuni-los numa praça de Valparaíso para cantar à noite e se deitar na grama olhando a lua. Meiga, extrovertida, doce e com um sorriso que conquistava, era uma companhia para todas as horas.
Quando foi torturada, estuprada e morta, morava em Santa Maria na casa de uma ex-professora. Estava matriculada no Ensino para Jovens Adultos (EJA) e sonhava em ser cantora.
“Katyane Campos Góis, presente!“