Maria Rosa Lombardi, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, apresentou o estudo sobre o tema na manhã desta quinta-feira (7), durante a mesa “Proteção Social do Trabalho” do Consenge
(Fisenje, 07/09/2017 – acesse no site de origem)
Ao chegar ao canteiro de obras, a engenheira Eugênia pergunta a uma colega onde fica o banheiro feminino. “Você tá sonhando, engenheira Eugênia? Aqui só tem um banheiro, pra homem e pra mulher. Quem chegar primeiro usa”, responde a outra engenheira. A tirinha exemplifica uma das muitas dificuldades enfrentadas pelas engenheiras neste ambiente de trabalho, ocupado majoritariamente por homens.
Esse é o tema que permeia a pesquisa apresentada pela professora e socióloga Maria Rosa Lombardi, da Fundação Carlos Chagas, na manhã desta quinta-feira (7/9), durante a mesa “Proteção Social e do Trabalho” do Consenge. A análise identificou as principais transformações ocorridas na organização e nas condições de trabalho de engenheiras e engenheiros civis na construção.
O estudo focou na relação entre engenharia, trabalho e relações de gênero na construção de habitações em duas construtoras de habitações de médio porte no estado de São Paulo. A partir de 68 entrevistas, a pesquisadora conheceu a fundo a realidade de engenheiras e engenheiros que trabalhavam em outras construtoras e gerenciadoras de obras, integrantes de sindicatos patronais, associação de fornecedores de materiais.
Maria Rosa Lombardi identificou quatro desafios principais enfrentados pelas engenheiras. O primeiro deles é a lidar com a constante desconfiança sobre a sua capacidade intelectual e competência técnica. “A inteligência das profissionais é colocada sob suspeita e se apoia em uma concepção de inferioridade feminina”, explica a pesquisadora.
Frente a isso, as engenheiras são levadas a “se impor”, “ser firmes” e a “ter coragem”, conforme explicitado nas entrevistas. “[…] vai tentar te diminuir para dizer que você é menos, que você não sabe por que é mulher, só por conta disso. Você pode saber mais do que ele, mas ele vai tentar provar que ele é melhor porque é homem e você, mulher”, disse uma das engenheiras entrevistadas pela pesquisadora.
Outro desafio diz respeito ao descrédito sobre a habilidade para comandar equipes. “É a concepção de que ‘mulheres não foram feitas para mandar’, ‘não sabem dirigir’, que existe em toda a sociedade e se transforma em justificativa para dificultar ou impedir o acesso das mulheres a postos de poder e autoridade”, afirma a pesquisadora.
Assim como em outras relações de trabalho, a questão da maternidade é encarada com um ponto negativo na atuação das engenheiras civis atuantes nos canteiros de obra. “Ouviu o relato de uma engenheira que teve filho, ficou um mês de licença, e depois voltou ao trabalho, fazendo um esforço de se desdobrar para conseguir tempo para amamentar, mas foi demitida seis meses depois, porque o chefe disse que era não era mais a mesma”. Como reação a essa realidade, ela aponta que as mulheres trabalham mais do que os homens e estão sempre disponíveis.
Eliana Barbosa Ferreira, diretora do Sindicato dos Engenheiros no Estado de Pernambuco (Senge-PE), ressalta que a desvantagem com relação a ter filhos não é só no ambiente de trabalho, mas também no mundo sindical. “Quando a mulher tem filho, ela é ‘escanteada’, colocada de lado por não haver condições, suporte para a sua participação com a criança”, garante.
O quarto desafio está relacionado à naturalização do assédio moral, apoiado na discriminação de gênero e, em síntese, de que as engenheiras são menos inteligentes e competentes que engenheiros. “A banalização ou naturalização do assédio moral acontece porque os engenheiros e engenheiras de obra acreditam que o tratamento rude e desrespeitoso que recebem, as violências no trabalho, as críticas e desqualificações constantes, são ‘assim mesmo’”, explica.
Mais engenheiras nos canteiros de obra
Buscar a superação dessas dificuldades torna-se mais urgente diante do aumento de mulheres atuando neste ramo da engenharia. Entre 2002 e 2013, a presença de engenheiras nos canteiros de obra cresceu 149,3%, enquanto o aumento para engenheiros foi de 54,7%, somando ocupações formais e informais. Mesmo assim, os homens seguem sendo maioria no ramo: em números gerais, cerca de 230 mil engenheiros civis estavam ocupados, sendo 190 mil homens e apenas 40 mil mulheres, de acordo com dados do PNAD/IBGE de 2015.
Segundo a pesquisadora, o aumento do espaço para as engenheiras nos últimos 15 anos se dá pelo aumento da demanda por mão de obra qualificada em engenharia durante o último ciclo de expansão da construção vivido no Brasil. Além disso, outra mudança é a introdução de inovações tecnológicas na produção e o aprofundamento da utilização da informática. “O trabalho ficou mais leve e gerou um volume de informações e rotinas que passam a ser geridos na administração dos canteiros e nos escritórios”, explica a Maria Rosa Lombardi.
Como enfrentar o machismo
Para transformar essa realidade de machismo e discriminação com as mulheres engenheiras, a pesquisadora lançou questões para fomentar o debate dos delegados e observadores do Consenge. “Como os sindicatos podem reagir para transformar essas realidades desafiadoras para as mulheres, em condições mais humanas e respeitosas de trabalho para homens e mulheres? Quais ações formadoras poderiam ser postas em prática junto aos estudantes e aos profissionais visando transformar os estereótipos de gênero na sociedade e na engenharia? Quais ações os sindicatos podem pôr em prática para que a ‘janela de oportunidades’ que promoveu a entrada das engenheiras na construção civil não se feche totalmente?”
As perguntas foram lançadas para se repercutir nos grupos de trabalho, ao longo do Congresso e também nas ações em cada sindicato nos estados.
Fonte: Ednubia Ghisi (Senge-PR)
Edição: Camila Marins (Fisenge)